| CRÍTICAS | A Vida Íntima de Dorian Gray

O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, é um dos grandes livros de sempre, um daqueles livros que toda a gente conhece mesmo sem nunca o ter lido. O cinema tem-no aproveitado com alguma regularidade, mas talvez devido à complexidade temática, nunca houve uma boa adaptação até há data. Curiosamente, a melhor é esta, A Vida Íntima de Dorian Gray, um filme italo-germânica produzido por Harry Alan Towers, um dos reis do exploitation, e realizado por Massimo Dallamano, um tipo que se especializou em western spaghetti manhosos. Ou seja, este Dorian Gray é decadente, manhoso e xunga. Ou seja, Oscar Wilder teria adorado.

A Vida Íntima de Dorian Gray actualiza o romance de Wilde para a Londres dos anos 60, em plena revolução cultural e sexual dos swinging sixties, o que é desde logo uma jogada vencedora. Afinal de contas, o hedonismo da geração que criou o rock’n’roll não poderia ser uma melhor actualização da época victoriana, cujos valores Wilde tanto criticou no livro. Mas obviamente que esta é uma produção série b e, caso queiram um retrato mais sério desta época, mais vale verem o Performance, do Nicolas Roeg, ou o Blow Out – História de um Fotógrafo, do Michelangelo Antonioni; esta é mais camp e ordinária.

Toda a gente conhece a história: Dorian Gray é um tipo lindíssimo, um Adónis que, qual Fausto, faz um pacto de eterna juventude: enquanto se mantém jovem para sempre, o seu retrato pintado pelo amigo Basil (Richard Todd) vai envelhecendo por ele. Dorian Gray embarca então numa vida de tentação e pecado, onde se perde nos prazeres do sexo (heterossexual, homossexual e, às tantas, com muito cruising por bares homossexuais, que até faz lembrar aquele filme com o Al Pacino que vocês sabem qual é), mas também do assassinato. É uma vida condenável ou apenas pela construção social dos valores do que é supostamente ser um bom cidadão e pai de família? A Vida Íntima de Dorian Gray não responde a essa questão, porque a única coisa com que se preocupa é em mostrar a intimidade de Dorian Gray – de preferência de forma explícita ou o mais sugestiva possível.

Com um visual tão kitsch quanto icónico e um realizador a deixar a sua marca autoral em vários momentos – como a entrada do filme em POV, como se estivéssemos a jogar Doom décadas antes de terem sido inventados os first-person shooters e… os jogos de computador em geral -, A Vida Íntima de Dorian Gray acaba por ter o seu maior trunfo na escolha de casting feliz para o papel do protagonista. É que o então jovem Helmut Berger, antigo menino bonito e protegido de Visconti, é o Dorian Gray perfeito, com as suas feições esculpidas a marfim, olhos azuis e cabelo loiro de querubim. A Vida Íntima de Dorian Gray dispara para todos os lados e acerta bem no alvo meia-dúzia de tiros dos quais não estávamos à espera. Aliás, são seis tiros a mais do que contávamos ao início. E essa é a conta perfeita para um McChicken.

Título: Das Bildnis des Dorian Gray
Realizador: Massimo Dallamano
Ano: 1970

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