| CRÍTICAS | Reminiscência

Se o objectivo das distopias é a de reflectir sobre o presente, projectando-o num futuro hipotético, então Reminiscência não podia ser mais actual. Em plena crise climática – e a uma semana de começar a CoP26 em Glasgow -, a realizadora Lisa Joy imagina um futuro em que a subida do nível médio do mar já engoliu metade das cidades e o aquecimento global transformou os homens em noctívagos, incapazes de suportarem o calor do dia.

Esse futuro pós-apocalíptico de Reminiscência é mesmo o melhor do filme. E, tendo em conta que Lisa Joy constrói a trama a partir dos códigos do film noir, torna-se inevitável as comparações com Blade Runner – Perigo Iminente. Por um lado, há semelhanças com a impessoalidade da acidade (assim mesmo, com um a antes, para indicar bem que aquele não é um território orgânico) do filme de Ridley Scott, mas também na forma como esta se estratifica socialmente. No entanto, enquanto que em Blade Runner – Perigo Iminente essa divisão é feita verticalmente (os ricos em cima e os pobres em baixo), em Reminiscência a estratificação social aparece repartida entre territórios molhados e secos. Contudo, por causa da predominância do elemento água no filme, a sua principal referência acaba por ser Chinatown. Sim, Reminiscência é o Chinatown do futuro.

Reminiscência, tal como o filme de Roman Polanski, é um neo noir, um melhor, um noir solar. Até Rebecca Fergunson, que incorpora o arquétipo da femme fatale, tem um je ne se quoi de Lauren Bacall. Hugh Jackman, por sua vez, é o herói da contenda e, claro, não lhe faltam os esqueletos no armário. Ele é um ex-soldado que gere um negócio muito particular, o das memórias. Através de uma tecnologia futurista que nunca é explicada porque não é sequer necessário, as pessoas mergulham numa câmara e, com uns fios na cabeça, podem reviver momentos da sua vida a partir dos fragmentos da memória.

Certo dia, Rebecca Fergunson aparece-lhe no escritório e pede-lhe para reviver o dia anterior, para ver onde deixou as chaves de casa. A partir daí a química faz o resto. Os dois apaixonam-se, mas quando as coisas começam a aquecer a primeira desaparece sem deixar rasto. De repente, Hugh Jackman vê-se aprisionado no seu próprio negócio das memórias, revisitando vezes sem conta todos os momentos que passou com a sua amada, até aos limites da loucura. E Lisa Joy aproveita essa liberdade temporal para não seguir necessariamente uma linearidade cronologia tradicional, que é o segundo trunfo de Reminiscência.

Depois começa então a ser revelado aos poucos uma trama policial, que envolve traficantes, uma droga especial e políticos poderosos com telhados de vidro, que é suficientemente funcional para colocar o argumento a rolar. O problema é que Reminiscência nunca consegue ganhar vida própria e parece sempre um monstro de Frankenstein, enxertado de outros noirs e distopias de ficção-cientifica. É um pastiche meio artificial, de diálogos de plástico, quase todos a terminar numa tirada filosófica de algibeira que provavelmente foi copiada do Citador ou do mural do Facebook da minha tia. Por isso, o CGI sempre muito manhoso até lhe fica bem.

Existem (muito) boas ideias em Reminiscência, mas a execução deixa sempre muito a desejar. Não quer dizer que seja um filme dispensável, antes pelo contrário, mas havia aqui material para lhe afincarem um dente com muito mais categoria. Lisa Joy safa-se com um Cheeseburger, que é suficientemente interessante para merecer uma visualização, mas não apaga a ideia do que aconteceria a esta história das mãos de outro realizador. Vamos esperar por remake, daqui a 30 anos, pode ser que dê em algo de jeito.

Título: Reminiscence
Realizador: Lisa Joy
Ano: 2021

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