| CRÍTICAS | Os Especiais

Convém-te crer que de um lado está um cavaleiro branco e do outro uma administração fria e insensível, que não quer saber de nada, diz às tantas o inspector do Ministério da Saúde que avalia a associação de “vão de escada” de Vincent Cassel, naquela que é a cena mais importante de Os Especiais. Não deixa de ser curioso que esse diálogo aconteça num filme em que os realizadores, Olivier Nakache e Éric Toledano, se colocam completamente do lado do cavaleiro branco, como se estivéssemos num banco de batalha entre os bons e os maus e não houvessem nuances pelo meio.

É esse o problema de Os Especiais, um filme que se esforça em demasia para passar uma mensagem moral e cumprir um caderno de encargos, sobre uma associação sem licença oficial que acompanha pessoas autistas que as outras organizações descartam por serem demasiado complicados, mas que compensa a falta de qualificação dos seus membros com muito coração e dedicação. Não há problema nenhum nisso, a questão é que os realizadores decidem logo à partida que isto é um campo de batalha e que eles estão aqui para defender os interesses dos seus protagonistas. Mesmo que todo o filme grite que o problema ali é o sistema, desadequado e sub-orçamentado, que não dá respostas suficientes ou de qualidade à maioria das pessoas.

É que quando Os Especiais se limita simplesmente a ser é um óptimo filme. Vincent Cassel é um judeu que gere uma associação pequena, com poucas qualificações profissionais para tratar os utentes autistas que alberga, mas com um enorme coração, um provider que sacrifica a sua vida pessoal ao serviço de outrem, sempre ao telefone (o toque do seu telemóvel torna-nos quase num cão de Pavlov, tal é a quantidade de vezes que toca) e sempre com a resposta eu arranjo uma solução na ponta da língua. Cassel é a versão angélica de Adam Sandler, em Diamante Bruto, e a dupla Nakache-Toledano filmam este dia-a-dia imparável com a mesma câmara escorreita e flexível dos irmãos Safdie.

Reda Kateb é o complemento perfeito a Cassel, uma espécie de braço direito que gere outra associação complementar, criando um dínamo muito forte que mantém Os Especiais a carburar. Mas depois há outro problema, que é o sub-enredo com Bryan Mialoundama, um jovem a fazer trabalho comunitário na instituição, que deveria servir de símbolo a todos os que são deixados para trás pela sociedade civil francesa e respectivas instituições do Estado, mas que nunca passa de um arquétipo. Kateb há de lhe chamar de caricatura, durante uma discussão. Talvez seja mais acertado assim.

Não há dúvidas que Os Especiais tem o coração no sítio certo, mas as boas intenções geralmente não chegam para se fazer um bom filme. Especialmente quando estas se confundem com populismo demagógico. Mas já não era assim naquele filme insuportável que deu nome aos realizadores Olivier Nakache e Éric Toledano, Amigos Improváveis? Este Cheeseburger é capaz de ser um pouco melhor, porque sempre há Vincent Cassel em tour de force imparável do primeiro ao último minuto.

Título: Hors Norme
Realizador: Olivier Nakache & Éric Toledano
Ano: 2019

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