| CRÍTICAS | O Rapaz Mais Belo do Mundo

Em 1971, Luchino Visconti estreava Morte em Veneza, onde estrelava um jovem desconhecido de apenas 15 anos. Björn Andrésen era sueco e parecia esculpido em mármore por algum artista do Renascimento, antes de ganhar vida terrena. No festival de Cannes, onde realizador e actor criaram frisson, Visconti haveria de dar aquele soundbyte que ficaria colado à pele de Andrésen para sempre: eis o rapaz mais belo do mundo.

O Rapaz Mais Belo do Mundo é um documentário sobre Björn Andrésen, filmado durante cinco anos pela dupla Kristina Lindström & Kristian Petri, que procura entender como é que esse rótulo mudou a vida daquele jovem sueco e influenciou a sua vida para sempre. É uma reflexão sobre a fama e a popularidade, tão efémera quanto Andy Warhol antecipou, e sobre as estrelas-criança e de como estas são vampirizadas pelos outros, pelo sistema e pelo público. Apesar de nunca ter tido propriamente uma carreira na representação (se bem que há a participação em Midsommer – O Ritual, cujas filmagens surgem no documentário), Andrésen teve reconhecimento global, especialmente no Japão, onde foi mesmo a primeira grande estrela ocidental, tendo gravado anúncios, discos(!) e feito mil e umas presenças em eventos. Andrésen era a personificação do conceito de bishōnen, o ideal de beleza masculina que transcende qualquer noção de género ou orientação sexual, e que continua a moldar décadas e décadas de animação manga. Parecia estar ali outro documentário à espera de ser feito, para o qual O Rapaz Mais Belo do Mundo deixa a porta aberta.

No entanto, o que fica sempre por meias-palavras é a parte dos abusos. Aliás, o início de O Rapaz Mais Belo do Mundo chega mesmo a ser desconfortável de se ver, com as imagens do casting em que Visconti o descobriu. O realizador italiano, que na altura era um dos homens mais poderosos do cinema, andou em périplo pela Europa a fazer audições a jovens menores, à procura do actor perfeito. Quando Andrésen entra na sala e vemos Visconti a objectiva-lo, a manda-lo despir e a fotografa-lo dos pés à cabeça como se estivesse no talho, é impossível não nos sentirmos constrangidos. No entanto, o documentário nunca vai a fundo nestas questões. Nem quando Björn Andrésen começa a contar de abusos num bar gay em Cannes ou de quando teve um sugar daddy em Paris.

Pelo contrário, O Rapaz Mais Belo do Mundo dá todo o tempo do mundo a Andrésen para mergulhar na sua vida pessoal. O trauma de nunca ter sabido quem era o pai, a morte precoce da mãe, a exploração monetária da avó e, aquele que é o momento mais dramático de todo o documentário, o relato de como o filho bebé morreu de morte súbita e ele se recrimina por não o ter podido ajudar. A vida de Björn Andrésen é uma vida de trauma, culpa e recalcamento e O Rapaz Mais Belo do Mundo não o vai ajudar como terapia, mas vai permitir reflectir sobre muita coisa. Pelo menos, como disse John Waters, vai deixar-nos ver como é que o jovem sueco foi em poucos passos de o mais belo rapaz do mundo até ao mais fucked up rapaz do mundo. E como o documentário não fala nunca da filmografia passada de Andrésen, eu digo: agora é altura de irmos descobrir esse belo filme de terror dinamarquês em que ele entra chamado Shelley. Mas primeiro terminem o McBacon.

Título: Världens Vackraste Pojke
Realizador: Kristina Lindström & Kristian Petri
Ano: 2021

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