| CRÍTICAS | Os Mitchell Contra as Máquinas

Se o cinema está hoje em dia afunilado para os filmes de super-heróis e tudo o que é ada Disney, o que dizer da animação, em que tudo está reduzido ao binómio Pixar/Disney? Tudo o resto está condenado automaticamente a uma quasi-invisibilidade, que faz com que haja uma espécie de dois campeonatos de desenhos-animados: na primeira divisão os filmes produzidos pela empresa do rato; na segunda divisão todos os outros. De quando em vez surgem as excepções que confirmam a regra e que fazem um brilharete, como foi o caso de O Filme Lego ou Homem-Aranha – No Universo Aranha., por exemplo. E, olhem a coincidência!, nem por acaso o filme que vos trago hoje foi produzido precisamente pelas mesmas pessoas que nos trouxeram esses dois títulos. Já vale a pena espreita Os Mitchell Contra as Máquinas, claro.

Como é que dizia mesmo o Tolstoi? Todas as famílias felizes se parecem umas com as outras, cada família infeliz é infeliz à sua maneira. Os Mitchell Contra as Máquinas é a enésima variação sobre uma família particularmente disfuncional, mas na realidade qual é a família que não o é? Por isso, é fácil acabarmos por nos identificar com os Mitchell. A diferença é que os mais novos o vão fazer com Katie (Abbi Jacobson), a filha adolescente que não pode esperar pela mudança para a universidade, na Califórnia, onde vai conhecer pessoas com os mesmos gostos que os seus e, finalmente, se sentir junto de pessoas que a compreendem; e os mais velhos o vão fazer com o pai, Rick (Danny McBride), que não entende a filha, que só quer o melhor para ela e que não percebe onde é que está a falhar. Complementam os Mitchell a mãe, Linda (Maya Rudolph), o caçula Aaron (Mike Rianda) e o cão – ou será que é um porco? é um cão? é um pão de forma? é um cão, é -, Monchi.

O pai tem então uma ideia incrível na véspera da filha embarcar para a Califórnia: cancela o voo e prepara uma road trip, que servirá para todos se reconectarem uma última vez antes de Katie iniciar a sua nova vida. Toda a gente sabe que o road movie é o formato ideal para redenções, já todos vimos o Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos. O problema é que, no preciso momento em que abalam, acontece o apocalipse. As máquinas revoltam-se, cortesia de uma inteligência artificial com a voz da Olivia Colman e baseada no HAL, de 2001: Odisseia no Espaço – aqui baptizada de… PAL – e a Humanidade está prestes a ficar refém dos robôs. Eis então o Que Paródia de Férias meets O Exterminador Implacável.

A partir daí, Os Mitchell Contra as Máquinas é uma aventura familiar, em que todos vão entender melhor, finalmente, a outra parte, mas com o armagedão a acontecer lá fora. Enquanto destroem uns robôs assassinos, vão cantando cantigas familiares (a sério que a Rhianna tem uma cantiga em que sampla o Dragostea Din Tea?) e abrindo o seu coração, com gags rápidos, algum humor inconveniente e tiradas espirituosas. No entanto, o trunfo do filme é a forma como os realizadores, Michael Rianda e Jeff Rowe, o atafulham de humor e referências à internet. É como o Scott Pilgrim Contra o Mundo, cheio de estímulos visuais e sonoros, mas com nian cats, aquele gibão que grita e TikToks. É um filme tão contaminado pela cultura millenial que até o cão do filme, Monchi, é dobrado por… um cão da internet. Sim, Doug, the Pug, o mais famoso dos cães da internet!

Além disso, como Katie é uma film nerd, Os Mitchell Contra as Máquinas está ainda cheio de referências a filmes, desde os mais óbvios (tudo o que é ficção-científica e ascensão das máquinas a road movies distópicos (olá Mad Max – Estrada da Fúria) até a piadas mais subtis, como o Monte Rushmore que Katie tem aos seus próprios realizadores de eleição. Nós dizemos quais são: Greta Gerwig, Céline Sciamma, Lynne Ramsay e Hal Ashby. Os Mitchell Contra as Máquinas consegue ser anarquista e alarve sem nunca ser gratuito ou fácil, com um extremo bom gosto. Basta ver como fazem deste um filme feminista sem ser manipulador, com uma protagonista lésbica e a Kathleen Hanna (via Le Tigre) a dar-nos música sempre que é preciso dar cabo dumas máquinas. A melhor animação de 2021 não é da Pixar nem da Disney, é da Sony, chama-se Os Mitchell Contra as Máquinas e vale todas as dentadas de um McRoyal Deluxe.

Título: The Mithcells vs. The Machines
Realizador: Michael Rianda & Jeff Rowe
Ano: 2021

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