| CRÍTICAS | Being The Ricardos

Já todos ouvimos pelo menos uma vez que, actualmente, há mais cinema na televisão do que nas salas. É certo que há alguma verdade nisto. Há um certo afunilamento do grande cinema de massas (cortesia da Disney, claro) e, na televisão, os argumentistas e realizadores encontraram um terreno mais fértil para arriscar. Daí que as séries, a reboque dos serviços de streaming, tenham dado m grande salto evolutivo.

No entanto, essa revolução das séries televisivas começou muito mais lá atrás, nos anos 50, com I Love Lucy. Essa sitcom, que contava as peripécias de um casal da classe média norte-americana protagonizado por Lucille Ball e Desi Arnaz, tornou-se no primeiro grande fenómeno da televisão mundial, coleccionando espectadores, prolongando-se por várias temporadas e levando até à mudança dos horários de funcionamento das lojas, para que o ritmo das pessoas se adaptasse ao horário de transmissão da série. Além disso, a série foi a primeira a introduzir uma série de novidades que, hoje em dia, são corriqueiras na televisão, incluindo temas mais sensíveis ou mesmo transportando para a ficção situações reais dos seus actores – como a gravidez da protagonista Lucille Ball.

Being The Ricardos presta tributo a I Love Lucy e, sobretudo, aos seus dois protagonistas, Lucille Ball (interpretada por Nicole Kidman) e Desi Arnaz (incarnado por Javier Bardem), tanto à obra como às pessoas. Os dois, casados também na vida real, tiveram uma relação de amor-ódio, em que as traições do segundo eram tão recorrentes quanto à paixão ardente de ambos. Daí que Being The Ricardos transpire por todos os poros a mecânica da comédia screwball, que teve a sua época de ouro nesse período precisamente (cortesia de Lubitsch ou Cukor). Mas não só. Os dois tinham grande controle criativo na série, Lucille Ball foi uma das primeiras mulheres com uma carreira própria e autónoma na indústria e, se a palavra empreededorismo não fosse tão detestável, quase que a podíamos utilizar para descrever o seu percurso profissional.

Misturando todas estas facetas e características do par, o argumentista-agora-tornado-realizador Aaron Sorkin monta uma espécie de biopic, mas com estrutura de mockumentário. Para isso, vai buscar as personagens dos argumentistas e dos actores secundários da série, envelhece-os e mete-os a comentar a vida de ambos, como se fosse um documentário, aproveitando depois as deixas para reconstituir os episódios relatados em flashbacks em que procura fazer uma reconstituição de época que capte a patine desse período áureo de Hollywood. Não é uma estrutura narrativa estranha a Sorkin, assim como não o são os diálogos típicos, disparados a cem à hora, naquele seu género metralhado, em que ninguém fala assim na vida real, mas que são tão bem escritos que os engolimos sem pestanejar e sem duvidar. E até há a típica cena do walk with me (longos travellings em que as personagens falam a mil enquanto caminham juntas), que Sorkin cunhou em Os Homens do Presidente, mas que aqui se torna acompáñame al escenario, ou não fosse Desi Arnaz cubano.

Sim, Aaron Sorkin é um belo argumentista e vale (quase sempre) todos os cêntimos gastos nele. O mesmo já não se pode dizer das suas qualidades enquanto realizador. Ao terceiro filme, Sorkin continua a revelar-se ujm cineasta sólido, mas que se limita a ser ilustrativo. Nada de mal nisso, até porque quando o material é bom, muitas vezes não é preciso mais que isso. Mas em Being The Ricardos, a quantidade de diálogos montados em campo/contracampo é avassaladora, até porque… não há muito mais em Being The Ricardos além de diálogos.

Além disso, há outro problema em Being The Ricardos. Apesar de bem escrito e de um ensemble de actores sempre em rotação máxima (óptimos Javier Bardem, Nicole Kidman (que não precisava de próteses para se parecer com Ball, até porque a única semelhança entre Bardem e Arnaz é que ambos são/eram bípedes) e também J. K. Simmons), o filme não deixa de contar a história de pessoas com quem temos pouca (nenhuma?) afinidade. Isso não acontece com o público americano, para quem o filme é dirigido e do qual espera algum reconhecimento nostálgico. E, pro mais interessante que seja a vida daqueles dois, não foi assim tão interessante para conseguir justificar um filme como Being The Ricardos. Que não deixa de ser um bom Double Cheeseburger sobre pessoas a falar.

Título: Being The Ricardos
Realizador: Aaron Sorkin
Ano: 2021

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