| CRÍTICAS | A Vida Extraordinária de Louis Wain

O nome de Louis Wain pode ser desconhecido da maioria do grande público, mas sem o seu contributo a internet seria hoje bem diferente de como a conhecemos. É que, ali na transição do século XIX para o século XX, o inglês – além de ter sido o primeiro a ter um gato como animal de estimação – contribuiu decisivamente com os seus desenhos e caricaturas de gatos para alterar a percepção que o grande público tinha destes animais. Com a popularidade das suas gravuras, os gatos passaram a ser vistos com outros olhos, foram adoptados como animais de companhia para o interior dos lares e cresceram em respeito e adoração. Sem Louis Wain a internet não estaria hoje cheia de vídeos e fotos de gatos fofinhos.

A Vida Extraordinária de Louis Wain é o biopic que tenta resgatar o seu nome de um certo obscurantismo e dar-lhe o reconhecimento merecido. Até porque o inglês não foi apenas um simples (e dotado) ilustrador (que desenhava com as duas mãos ao mesmo tempo(!)), tendo-se desdobrado por outras actividades. Além de ter tentado a de compositor musical, por exemplo, Louis Wain foi toda a sua vida um cientista amador, tentando diferentes patentes, até se ter tornado obcecado por gatos e electricidade. O inglês acreditava que estes eram privilegiados condutores de electricidade e via esta como uma espécie de conceito holístico, que permitiria alterar inclusive a linearidade do tempo. É desnecessário dizer que essas desilusões eram o resultado de uma mente conturbada, que hoje seria diagnosticada como algum tipo de esquizofrenia, mas que acabou por influenciar o seu trabalho pictórico tardio, com gatos cada vez mais futuristas e, especialmente, psicadélicos.

A Vida Extraordinária de Louis Wain representa-o como um génio muito à semelhança de um Sheldon Cooper – desajeitado, com limitações sociais e uma mente que trabalha bem mais rápido do que o resto do sue corpo e que, por isso, o torna-o muitas vezes incapaz para simples tarefas sociais. É uma espécie de romantização do génio, enquanto ser predestinado para a grandiosidade. Benedict Cumberbatch representa-o com todos os maneirismos que este enorme cliché significa, não perdendo a oportunidade para fazer crescer o filme ainda mais num balão exuberante e cada vez mais hiperbólico.

Depois, o realizador Will Sharpe começa a disparar em todas as direcções possíveis e imagináveis, com uma série de esticões do argumento, que o fazem saltar de vinheta em vinheta, quase numa estrutura episodical. Por um lado é a história do génio incompreendido, que apesar das limitações da vida, teve que sustentar toda a sua família de cinco irmãs exigentes após a morte do pai, sendo por isso muitas vezes explorado. E, claro, um génio traumatizado por flashbacks de bullying (a cena mais gratuita de todo o filme) e um sonho recorrente com água (que também nunca é explicado, serve apenas para riscar mais um requisito do caderno de encargos). Por outro lado, é a história de amor puro e verdadeiro, entre Wain e Emily Richardson (Claire Foy), uma mulher mais velha e de uma classe social inferior, o que era socialmente inaceitável. Essa parte do filme rapidamente descambará no melodrama lacrimejante, uma vez que surgirá também um cancro pelo caminho, mas inesperadamente é também o melhor do filme (o que não agoira nada de bom ao resto).

Finalmente, é ainda um retrato social, político e cultural da Inglaterra Vitoriana do início do século XX, um período extremamente estimulante de entrada na Era Moderna, mas retratado de forma totalmente higienizado, quase como uma telenovela, em vez do prestígio britânico a que estamos habituados. E a narração de Olivia Colman só ajuda a reforçar a traço grosso esta caricatura. Por vezes, Will Sharpe parece embarcar em opções muito próprias, quase anacrónicas, que fazem lembrar o cinema de Michael Almereyda, mas nunca percebemos bem quais são as suas reais intenções, porque A Vida Extraordinária de Louis Wain torna-se um pastiche de tanta coisa, que já nem sabemos o que estamos a ver. É por baixo destas camadas todas que aparece, por exemplo, um Taika Waititi de relance (uma cena de poucos segundos…), ou um cameo de Nick Cave a fazer de H.G. Wells. É tudo tão desconexo e bizarro que acabam por ser meros gestos gratuitos e vazios de significado. A Vida Extraordinária de Louis Wain é uma boa história, mas um péssimo filme. Salvam-se os gatos, claro, neste Happy Meal.

Título: The Electrical Life of Louis Wain
Realizador: Will Sharpe
Ano: 2021

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