| CRÍTICAS | Shelley

Olhamos para o cartaz de Shelley e para a sua referência directa a A Semente do Diabo e ficamos logo a saber ao que vamos: uma gravidez, talvez algumas raízes demoníacas e, de certa forma, toda uma metáfora (meio perturbadora, é certo) à maternidade. Isto pode ser a base de Shelley, o filme de estreia de Ali Abbasi, o realizador que com Na Fronteira, nos mostrou recentemente que gosta de brincar nas margens do cinema de género, mas o interesse está sempre em ver como é que isso é montado e desenrolado.

Elena (Cosmina Stratana) é então uma jovem romena, que aranja trabalho como empregada e cuidadora na quinta isolada de uma familia sueco-dinamarquesa. Louise (Ellen Dorrit Petersen) e Kasper (Peter Christoffersen) vivem no campo, isolados da civilização, sem electricidade nem água canalizada, mas parecem ter uma existência bem feliz, se bem que há sempre algo de sinistro no ar. Louise é ainda uma mulher doente, que não pode engravidar, por isso quando a relação com Elena se estreita não se coíbe em lhe pedir para ser sua barriga de aluguer.

Eis então a tal metáfora à maternidade, até bem mais assumida de que A Semente do Diabo. É que além de Louise ser uma mulher que quer ser mãe, mas não pode engravidar, Elena é mãe adolescente e solteira, que se viu obrigada a deixar o filho em Bucareste para ir em busca de um melhor futuro para ambos. Agora, há uma gravidez pelo meio e, no meio de toda aquela calma e sossego – mas também isolamento -, coisas estranhas começam a acontecer. Visões, dores, ruídos… Sabemos como a gravidez altera uma mulher, mas estará Elena a imaginar coisas ou há algo de suspeito naquela casa? O facto de Louise ser toda da energias e receber a visita de um xamã (Björn Andrésen, o mais belo rapaz do mundo) também não ajuda.

Shelley é um belo filme sensorial que, recorrendo aos signos do filme de género (o filme de fantasmas e da casa assombrada, especialmente), consegue criar o ambiente perfeito de inquietação e dúvida. No entanto, parece que o argumento chegou às tantas a um beco sem saída e Ali Abbasi, sem saber o que fazer, entrou em pânico. De repente a criança nasce e o foco do filme muda completamente, como se fosse uma sequela de Shelley que estivesse a começar. Deixa de ser sobre a gravidez e passa a ser sobre a paternidade e a maternidade. É um último acto que parece é demasiado curto para fazer sentido e demasiado partido do restante para fazer parte do filme. No final, Shelley não deixa de ser um óptimo exemplo de cinema, mas só foi pena o realizador se ter esquecido de incluir uma história. O Double Cheeseburger teria sido bem melhor.

Título: Shelley
Realizador: Ali Abbasi
Ano: 2016

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *