| CRÍTICAS | A Arte da Autodefesa

Estão a ver aquele miúdo, que há em todas as escolas, que leva porrada de toda a gente? Esse miúdo batia no Jesse Eisenberg de A Arte da Autodefesa. Eisenberg é tão vítima de bullying na vida que, quando o conhecemos, ele está a aprender francês para que, um dia que faça a viagem dos seus sonhos a França, consiga dizer desculpe e por favor, não me bata, pelo sim pelo não. No fundo, Jesse Eisenberg – um dos mais irritantes actores da actualidade – está só a exagerar ainda mais aquela que é a sua imagem de marca (e a de Michael Cera, que é a sua versão b (ou vice-versa)).

No entanto, um assalto e uma tareia dada por uns assaltantes motoqueiros à noite faz o copo transbordar e levam Jesse Eisenberg a fazer algo para mudar a sua vida passiva e submissa. Assim, vai-se inscrever nas aulas de karate de Alessandro *Pollux Troy* Nivola, que se auto-intitula simplesmente Sensei, e que é o discípulo de um mestre qualquer de artes-marciais que uma vez fez um buraco no crânio de um oponente só com o polegar e que ensina coisas como dar murros como pontapés e pontapés como murros. No fundo, Eisenberg mergulha de cabeça num mundo de hiper-masculinidade tóxica e, por isso, o salto do imaginário de Momento da Verdade (ou, especialmente, da série Cobra Kai) para a cultura sinistra underground de Clube de Combate é vertiginoso.

A Arte da Autodefesa é (supostamente) uma comédia que se socorre da simbologia dos filmes de artes-marciais, mas é tão seca, tão seca, que em comparação faz o deserto do Sara parecer uma floresta tropical. A melhor referência para A Arte de Autodefesa será o humor de Jared Hess, sendo Super Nacho – O Herói do Wrestling o título que mais vem à cabeça, mas aqui com karatecas em vez de luchadores. Ou seja, isso significa que o filme se leva tão a sério quanto nós, quando tínhamos 12 anos e descobrimos os filmes do Bruce Lee no clube de vídeo, levávamos o karate a sério.

Tudo isto serve para o realizador Riley Stearns explorar uma meditação sobre o machismo tóxico, a misoginia (e Imogen Poots é o único elemento feminino do filme, que só lá está para mostrar como as mulheres são inferiores aos homens, com tiradas como o facto de ser uma mulher impede-a de nunca vir a ser um homem) e as questões de género, mas de uma forma que muitas vezes nos deixa sem saber o que pensar. Este humor fora da caixa é negro e desconfortável, mas nunca chega a ser perturbador como um Felicidade, se bem que Todd Haynes será certamente uma influência grande para Stearns.

No final, A Arte da Autodefesa também não procura o final feliz mais óbvio, porque isto não tem nada de feelgood movie. O que está aqui exposto é uma comédia que entende a vida como uma experiência de sofrimento, trauma e negritude. Por isso, em vez de sorrisos, apenas soltamos esgares; em vez de esperança, apenas sentimos desesperança; e em vez de Royales with Cheese, apenas recebemos Cheeseburgers para comer.

Título: The Art of Self-Defense
Realizador: Riley Stearns
Ano: 2019

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