| CRÍTICAS | Cabaret – Adeus Berlim

Logo a abrir Cabaret – Adeus Berlim, o Mestre de Cerimónias do clube Kit Kat (um incrível Joel Grey) lança o mote a todos, ou seja, aos seus clientes e a nós, espectadores: deixem os problemas lá fora; aqui, tudo é belo. Eis as portas do Kit Kat escancaradas desde logo a todos, um cabaré na Berlim do final dos anos 20, onde o music hall, dançarinas em trajes provocadores e números burlescos são maiores que a vida. Só que este não é um musical convencional ou pelo menos como os clássicos a que estávamos habituados na tradição fundadora do cinema norte-americano.

Este é antes um musical à imagem do seu tempo, uma Berlim que se despedia dos loucos anos 20 e recebia a ascensão do nazismo (que está sempre em pano de fundo, marcando a passagem do tempo, mas também funcionando como o contraponto à celebração do Kit Kat), mais próximo das versões negras e decadentes de um Festival Rocky de Terror ou O Fantasma do Paraíso. Era a contra-cultura a chegar ao musical e a subverter o género para o lado negro da vida.

E, no entanto, os números musicais de Cabaret – Adeus Berlim são sempre incríveis, com canções que se inscreveram imediatamente no cânone (especialmente o tema homónimo e Mein Herr, ambos por Liza Minnelli curiosamente (ou não)). Só que ao contrário dos clássicos (como os de Vincente Minnelli, apenas para fazer a ponte com os parágrafos seguintes), aqui as sequências musicais são coreografadas na sala de montagem, com planos curtos e estáticos, dispensando as longas sequências barrocas de enquadramentos largos que serviam para toda a grandiloquência do género. Isso permite transportar-nos quase fisicamente para o interior daquele cabaré e estar nas mesas das primeiras filas, por entre o fumo dos cigarros e o cheiro do álcool barato.

E depois, claro, há Liza Minnelli. Cabaret – Adeus Berlim não seria o mesmo sem ela, tanto nos números musicais – e a sequência com a cadeira é icónica – como na interpretação. É ela a grande estrela do filme de Bob Fosse, se bem que é com Michael York que Cabaret – Adeus Berlim abre. York acaba de chegar à capital alemã, onde vai estudar línguas e dar aulas de inglês para pagar os estudos, e ao sair do autocarro todo ele é maravilhamento. Lembramo-nos imediatamente de Jon Voight a chegar a Nova Iorque, em O Cowboy da Meia-Noite, e por isso já sabemos que, em breve, será a desilusão que irá encontrar.

No entanto, antes disso, é o furacão Minnelli que o atropela. York vai dividir um quarto num apartamento em que, além de Liza Minnelli, vivem prostitutas e marginais de toda a espécie, como se fosse uma extensão do Kit Kat, onde a primeira trabalha. É um mundo onde tudo é possível, mais liberal e festivo do que a sociedade conservadora britânica de onde Michael York acabara de chegar, mas de onde chegam também ares de desesperança. É um último hurrah por um tempo que está a terminar. E os nazis estão em toda a parte, a lembrar-nos o que veio depois. Que o diga aquele cliente que esbofeteou um nazi impertinente no clube e que, na noite seguinte, acabou esfaqueado num beco atacado por uma gangue de rufias de suástica no braço.

Portanto Cabaret – Adeus Berlim evita graciosamente o cliché do género, em que todos são felizes e dançam os seus problemas até desaparecerem, abordando antes temáticas mais polémicas e até alguns tabus. É um filme sobre o amor, claro (não o são todos?), mas que fala de corrupção, da ascensão do fascismo e a perseguição dos judeus, é sexualmente ambíguo, homossexualidade e, tal como Brilhantina, se torna inesperadamente numa história sobre aborto. E tudo isso sem perder uma banda-sonora de números musicais expansivos, totalmente brilhantes, que funcionam quase como vinhetas para irem ilustrando o que se passa na vida de Minnelli, York e os seus amigos. Cabaret – Adeus Berlim é um filme hedonista, que olha para o musical clássico e o chama de burguês, ao mesmo tempo que mergulha nos pequenos prazeres da vida: a música, o sexo, o álcool, o fumo e os Le Big Macs.

Título: Cabaret
Realizador: Bob Fosse
Ano: 1972

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