| CRÍTICAS | Traições

Um dos grandes acontecimentos culturais de 2021 foi a publicação da biografia de Philip Roth, um dos grande escritores da modernidade, entitulado precisamente Philip Roth: A Biografia. Ou melhor, deveria ter sido, porque entretanto o autor, Blake Bailey, foi acusado de agressão sexual por duas mulheres e o livro acabou por ser, como diz agora a malta jovem, cancelado. E, de repente, o grande acontecimento cultural do ano foi aquele que não aconteceu. Ou, pelo menos, que não aconteceu da forma esperada (em Portugal o livro saiu com a chancela da D. Quixote, que não quiseram saber).

Coincidência ou não, 2021 viu também estrear Traições, filme de Arnaud Desplechin baseado num livro de Roth, que apesar de se passar em Londres com personagens anglo-saxónicas é feito em França e falado em francês. E, curiosamente, mantém a tradição de maus filmes a partir de obras de Philip Roth. Mas já lá vamos. Antes de mais importa referi que, apesar de Traições se basear num dos livros menores de Roth, acaba por ser o único em que existe um escritor chamado Philip, o que implica uma espécie de autobiografia que pode apelar ao fã mais ferrenho do norte-americano.

Aliás, há uma cena paradigmática desse jogo de espelhos, em que o escritor Philip (protagonizado pelo também escritor Denis Podalydès) é julgado em tribunal, acusado de violência de género nos seus livros. Porque odeia as mulheres?, pergunta-lhe logo a abrir a advogada de acusação. Misoginia ou feminismo? É não um dos grandes temas de Traições, como de todo o corpo de obra de Philip Roth.

No entanto, o realizador Arnaud Desplechin nunca consegue ir a fundo neste tema. Por entre o humor mais subtil e a ironia, Desplechin mantém por um filme sobre traições e adultério. Daí que o exibidor português tenha optado antes pelo título Traições em vez do original Deception. Traições é uma espécie de sucessão de episódios de um escritor, o Philip, e a sua relação extraconjugal com uma mulher casada (Léa Seydoux, que em 2021 também esteve em todos os filmes estreados no cinema), com quem se encontra regulamente no seu estúdio, à tarde. Entrecortado com isto, há ainda uma ex-namorada que pode estar com um cancro terminal, a mulher em casa ou uma antiga aluna com quem teve um affair.

Com um estilo muito parecido com o de outro nova-iorquino judeu (olá Woody Allen), cujos filmes também dividem muitas vezes os que acham que as suas personagens femininas são alvo de misoginia e os que consideram serem personagens feministas, Traições acaba por ser um filme de actores a conversar. Desplechin parece ter entrado em pânico com isso e foi buscar à prateleira o manual 1001 formas de filmar um diálogo e experimentou-as todas. Isso faz com que, muitas vezes, a palavra acabe por ficar abafada por entre a câmara sempre em movimento, a edição criativa e outros truques quase sempre desnecessários. Ou seja, Traições não é um mau filme, mas é quase sempre inconsequente. É certo que, como o Happy Meal, traz um presente lá dentro, mas também quem já comprou um sabe que a maioria dos brindes que vêm lá dentro são quase sempre mais do mesmo.

Título: Tromperie
Realizador: Arnaud Desplechin
Ano: 2021

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