| CRÍTICAS | Estrada do Inferno

A corrida ao espaço durou quase 15 anos e foi uma das competições mais aguerridas de toda a Guerra Fria. Além disso, alimentou o imaginário colectivo de praticamente todo o mundo e, consequentemente, toda a cultura popular. Basta ver o recente filme de Richard Linklater, Apolo 10 1/2 – Uma Infância na Era Espacial, para perceber como a corrida espacial foi omnipresente entre 1955 e 1969, ano em que Neil Armstrong pisou a lua e atribuía oficialmente a vitória aos americanos (e a todo o ocidente, por arrasto).

Hollywood também se alimentou naturalmente da corrida ao espaço, tendo-se tornado num tema recorrente dos filmes de ficção-cientifica e algumas variações. No entanto, nenhum colocou tanto o ênfase nessa parte da corrida como Estrada do Inferno – um das mais infelizes traduções para português de que há memória. Este, que é o primeiro grande filme de Robert Altman e que marcou o seu regresso ao grande ecrã depois de uma década na televisão, é a história de como essa obsessão em ser o primeiro país a colocar um homem a caminhar na lua afectou vidas pessoais. E, aqui, a vida das personagens são uma metáfora à vida das populações em geral.

Estrada do Inferno pode assim ser visto como uma espécie de lado b de O Primeiro Homem na Lua, mas com duas diferenças. A primeira é que, enquanto esse demonstra bem como era o ambiente político que fazia com que a corrida espacial se sobrepusesse a tudo (incluindo ao interesse geral), o filme de Damien Chazelle faz antes um raio-x ao contexto socio-cultural desse período (e económico também, claro). E a segunda diferença é que enquanto que O Primeiro Homem na Lua é um biopic Neil Armostrong, Estrada do Inferno é… mentira.

Estrada do Inferno é assim uma ficção romanceada que coloca os Estados Unidos, numa situação de desvantagem perante a União Soviética, em arriscar tudo e a tentar encurtar tempo para compensar o atraso. Assim, descartam a missão Apolo e fazem all-in com uma nova cápsula Gemini, para um só astronauta. Ao anteciparem esse passo, o plano era colocarem um homem na lua e esperar doze meses que a Apollo lá chegasse para o resgatar. A NASA escolhe então Chiz (Robert Duvall que, quando jovem, já era careca), que era o astronauta melhor preparado, mas o Governo quer que aquela seja uma missão humanitária e substitui-o por Lee Stegler (James Caan).

De repente, Estrada do Inferno deixa de ser um filme de ficção-científica e torna-se num drama espacial. Por um lado, a rivalidade entre os dois astronautas, que vão ser obrigados a colaborar em prol do sucesso da missão, vai criar uma tensão que chega quase a ser palpável. E, por outro, James Caan tem ainda toda a situação familiar. Como gerir uma família que fica em casa, à espera durante um ano, por alguém que pode não voltar? É que há muito de suicídio naquela aventura. Até porque, quando Estrada do Inferno estreou, ainda faltava ano e meio até a passeata de Neil Armstrong na lua se tornar numa realidade.

Estrada do Inferno é Robert Altman a ser Robert Altman, num filme com muito palavreado (por vezes até demais) e tudo muito rápido. Aliás, consta que Jack Warner, quando viu as filmagens pela primeira vez, telefonou logo ao realizador a despedi-lo por ter “filmado diálogos sobrepostos”. Isso levou a que o estúdio refilmasse cenas extra e a versão final ressente-se disso, nunca conseguindo ter a tensão necessária ou pretendida. Contudo, é na segunda parte que o interesse do filme dispara exponencialmente.

Quando James Caan parte para o espaço, já com um atraso de três dias para a tripulação russa, o filme antecipa de forma muito realista e sóbria a viagem da Apollo 11. Mas é quando chega à lua, que Estrada do Inferno ganha aquele tom que era muito próprio do Twilight Zone. Spoilers à parte, depois de desembarcar na lua, Caan encontra os astronautas russos, mortos, e, por cortesia, acaba por içar em simultâneo a bandeira norte-americana e a soviética. Ou seja, 18 anos de Rocky IV, Robert Altman acabava com a Guerra Fria. Só que ninguém estava preparado para o ouvir. Por isso, ao contrário da maioria dos filmes antigos que envelheceram mal, Estrada do Inferno é um McBacon que rejuvenesceu.

Título: Countdown
Realizador: Robert Altman
Ano: 1967

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