| CRÍTICAS | Km 224

Km 224 é a gentrificação do cinema de António-Pedro Vasconcelos. É que ninguém no filme vive como se vive em Portugal, mas de acordo com uma ideia romantizada do que é viver em Portugal, obviamente depois de passar pelo filtro dos nómadas digitais, do empreendedorismo e outras patetices no neo-liberalismo que transformaram a cidade num produto nos últimos anos. Ou seja, José Fidalgo e Ana Varela (ela até trabalha na hotelaria, coincidência ou não), que acabaram de se divorciar, são um casal de lisboetas que vivem num bairro tradicional do centro de Lisboa onde o primeiro está a renovar uma casa antiga, mandam vir sushi para comer ao almoço, vão beber copos copo a uma mercearia fina (com publicidade colocada e tudo) e são todos eles gourmet, wellness, mindfulness e wonderlust (não sei o que estou a dizer, estou só a enumerar tempos em inglês que vejo repetidos por aí e que nem sei o que significam).

Por isso, é difícil conseguir criar algum tipo de identificação com aquelas personagens. São sempre bonecos que circulam pelo filme, mais numa óptica da telenovela – mais arquétipos, do que personagens de carne e osso – do que de cinema. Também não ajuda a forma decorativista com que António-Pedro Vasconcelos filma, numa realização muito convencional de campo-contra-campo, que mantém sempre o filme pela rama e nunca consegue incutir qualquer tipo de profundidade num drama matrimonial.

Tal como Noah Baumbach, em Marriage Story, Km 224 vai-se influenciar em Kramer Contra Kramer para contar a história de um divórcio não necessariamente litigioso, mas que rapidamente escala para a guerra aberta. José Fidalgo é mais sonhador e despreocupado, o que faz a mãe, Ana Varela, er isso como irresponsabilidade, que não quer para a vida dos seus filhos. No entanto, num filme em que não deveria haver mocinhos e bandidos, António-Pedro Vasconcelos acaba por tirar partido claramente de José Fidalgo, dando o papel de vilã à mãe. A decisão não parece ser propositada, mas involuntariamente acaba por esvaziar o filme do seu real significado.

Assim, Km 224 é uma espécie de desastre de viação (para usar uma metáfora rodoviária, tendo em conta o título do filme, que nada tem a ver com o road movie), de quem se espatou numa recta. E nem sequer falo dessa ideia ridícula do quilómetro 24 (que tribunal iria aceitar a decisão da troca dos filhos ser feita a meio de uma auto-estrada, com as crianças a saltar o separador central?), mas antes dos objectivos da história que não são atingidos nem de perto nem de longe. Talvez venha a funcionar melhor no pequeno ecrã, numa óptica de série televisiva mais perto da novela, porque como cinema é um frustrante Happy Meal.

Título: Km 224
Realizador: António-Pedro Vasconcelos
Ano: 2022

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