| CRÍTICAS | Hounddog

No seu filme debutante, I Am Sam – A Força Do Amor, Dakota Fanning fazia de filha de um Sean Penn retardado, que procurava explicação para as coisas da vida que não conseguia alcançar nas músicas dos Beatles. Depois, no filme que marcou a sua transição de actriz-criança para actriz-mulher (ou pelo menos assim ela o esperava), Dakota Fanning fez de criança que encontra nas músicas de Elvis Presley uma almofada para a sua vida de traumas e abusos.

No fundo, Hounddog é uma fraca justificação para Dakota Fanning andar em trajes menores a cantar Hound Dog e a emular os movimentos pélvicos de Elvis de forma insinuante, até ser violada à bruta por um puto hillbilly qualquer. Não é por acaso que Hounddog é conhecido como o filme da violação de Dakota Fanning. Aliás, no primeiro dia em que começou a ser filmado(!), parangonas encheram os jornais e a internet com notícias de um filme com cenas chocantes da adorável Dakota Fanning a ser abusada. Cenas essas que ainda nem sequer tinham sido filmadas(!!).

A táctiva espertalhona de se pôr em bicos de pés para se fazer ouvir fez com que Hounddog chegasse com desconfiança. Contudo, nem era preciso, já que o filme se sabota a si próprio, numa história tão boçal que, salvo umas visualizações avulsas em festivais e uma distribuição limitada a meia-dúzia de salas norte-americanas, nem sequer entrou no circuito comercial. Por isso, se não fosse por essa estupidez da notícia da violação, hoje em dia Hounddog seria apenas um rodapé num rodapé da história do cinema.

Hounddog é então a história de uma jovem Dakota Fanning na América sulista do início dos anos 60, entre rednecks, incesto, um pai alcóolico, violento e com tendência a desaparecer (David Morse), uma avó temente a Deus (Piper Laurie a repetir o seu papel de mãe da Carrie) e um amigo com quem vai descobrindo o corpo. O Elvis é apenas mais uma ferramenta para acentuar os arquétipos entre os white trash e os sensatos. Se a realizadora Deborah Kampmeier queria um A Cor Púrpura, o máximo que conseguiu foi um Black Snake Moan, mas em pior.

Numa história trágica, Dakota Fanning passa por uma série de episódios em que ninguém parece ligar e que não têm consequências. Por exemplo, numa das cenas mais ridículas da sétima arte, o seu pai é atingido por um raio enquanto lavoura a terra (vê-se um raio a cair no tractor e faúlhas a saltar, enquanto David Morse é içado verticalmente numa grua), ficando parvo. Mas tudo continua igual enquanto o flme avança, como aquelas pessoas inexpressivas que contam as histórias todas no mesmo tom. E, no final, Dakota Fanning canta o Hound Dog, mas a versão de Big Mama Thornton, e tudo fica bem. Moral de Hounddog: se tiveres problemas em casa e fores violada, canta blues que isso passa.

E a violação?, perguntam vocês já impacientes. A violação, respondo eu, é um abismo dentro de um abismo de tão mal filmada que é. Dura uns meros segundos e limita-se a dois planos: um grande plano de Dakota Fanning de olhos arregalados, como se tivesse a obrar, e um plano da sua mão ensaguentada a fazer festas a um prego. Ao menos não é gratuita. Só é chocante para quem teve que pagar para ver isto. Dakota Fanning queria escapar à maldição Shirley Temple e mostrar que havia uma actriz a sério além da child star, mas escusava de o tentar fazer de forma tão desesperada, em Cheeseburgers sensacionalistas.

Título: Hounddog
Realizador: Deborah Kampmeier
Ano: 2007

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