| CRÍTICAS | Um Grito de Coragem

The dingo ate your baby!
Mesmo para quem não gosta ou não conhece o Seinfeld (e se é uma dessas pessoas, então shame on you!), o mais certo é conhecer esta catchphrase, que é um dos melhores momentos da Elaine em toda a série. O que menos gente conhece é o caso do dingo e do bebé, um episódio real que marcou os anos 80 na Austrália (e o mundo, geral) e que é um daqueles momentos wtf da história do mundo moderno.

Ora vejamos: em 1980, um casal de australiano, Lindy e Michael Chamberlain, acampavam nas férias no norte da Austrália quando, certa noite, um dingo (uma espécie de cão selvagem nativo daquela zona) entrou-lhes na tenda e levou-lhes a filha bebé, Azaria. Depois de um breve período de empatia e solidariedade por parte do público, rapidamente Lindy e Michael viram a opinião pública desabafar sobre si. A polícia acusou-os de terem morto a criança e de se terem livrado do corpo, porque um dingo não conseguia arrastar um bebé, e uma terrível campanha mediática alimentada a ódio e desconfiança generalizada ajudou a desequilibrar os braços da balança da Justiça, que deve ser cega e justa. E tudo porque ambos eram adventistas do sétimo dia(!) e porque Lindy nunca chorou em público(!!). Onde é que eu já visto? Ah, é verdade, naquele documentário da Netflix sobre o desaparecimento de uma criança inglesa no Algarve.

Foram precisos 8 anos (e que fosse encontrada fortuitamente uma prova cabal que permitiu claudicar todas as outras evidências circunstanciais que apoiaram a acusação) até o casal conseguir limpar o seu nome, sem que isso evitasse que Lindy tivesse que passar três anos atrás das grades, onde deu inclusive à luz a quarta filha do casal, que nem sequer lhe foi permitida manter. Lançado imediatamente após o encerramento do caso, em 1988, Um Grito de Coragem é a reconstituição desse episódio real, que é também um caso real. E, como a maioria dos filmes deste género, deve muito mais à televisão do que ao cinema.

Um Grito de Coragem é essencialmente um drama de tribunal. Começa com a reencenação de todo o episódio no mato australiano – e Lindy Chamberlain nunca gruta a dingo ate my baby, essa foi apenas a Elaine, num daqueles casos em que a cultura popular e a memória colectiva estão erradas – e rapidamente salta para a barra do tribunal, com Lindy (interpretada por Meryl Streep) e Michael (Sam Neill) a serem atirados para o jogo da justiça que não estavam preparados para jogar. O realizador Fred Schepisi tenta mostrar como a opinião pública influenciou não só as autoridades, como a própria reacção dos acusados, e utiliza o público como uma espécie de coro grego, que aparecem sempre a rematar as cenas em que é apresentada uma nova prova ou feita uma declaração bombástica, comentando-as nos cafés, nos jantares familiares ou nas festas de amigos.

No entanto, não há muito mais para além deste encadear de informação, que faz de Um Grito de Coragem mais uma encenação comentada do que um drama sobre a justiça, o julgamento público e as condenações para lá da dúvida razoável. Sam Neill e, especialmente, Meryl Streep – que foi nomeada para o Oscar com mais uma daquelas personagens compostas em que é exímia a fazer – tentam fazer ovos sem omeletes, mas Schepisi deixa-lhes pouco por onde abocanhar – um Happy Meal é mais sobre o brinquedo que traz do que propriamente sobre a hamburga. Para um filme que é muitas vezes considerado um dos melhores dramas de tribunal de sempre, Um Grito de Coragem deixa muito a desejar.

Título: A Cry in the Dark
Realizador: Fred Schepisi
Ano: 1988

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