| CRÍTICAS | A Morte Fica-vos Tão Bem

Agora que Bruce Willis anunciou a reforma, por causa de uma doença neurológica, está na altura de começarmos a rever a sua filmografia. É certo que todos os natais vemos o Assalto ao Arranha-Céus, mas existem mais títulos que merecem o nosso carinho. Como, por exemplo, A Morte Fica-Vos Tão Bem (bom trocadilho do título em português), esse óptimo filme de Robert Zemeckis quando estava no pico de forma e título tão imprevisto na carreira de Meryl Streep tanto hoje como na altura.

A Morte Fica-Vos Tão Bem tem o espírito de um episódio estendido de Contos de Arrepiar, que Zemeckis dirigiu no final dos anos 80, e que misturava terror e humor em iguais doses. No fundo, é uma comédia negra pincelada de fábula, que recorre aos códigos do cinema para parodiar o género, mas sem ser brega. A Morte Fica-Vos Tão Bem tem momentos de humor finíssimo, ao mesmo tempo que Zemeckis se diverte a brincar com as sombras, com os cenários expressionistas e com as personagens sinistras. No fundo, é o mesmo que Tim Burton fez na sua fábula Eduardo Mãos-de-Tesoura, só que aí ele foi mais longe e convocou o próprio Vincent Price para integrar o elenco.

A Morte Fica-Vos Tão Bem é uma história sobre a eterna juventude, personificada no corpo de duas mulheres rivais. Meryl Streep é uma estrela dos palcos com horror a envelhecer, que procura todos os truques, fórmulas e mezinhas para eliminar qualquer ruga que surja. Além disso, parece ter um fascínio qualquer em roubar os namorados da sua amiga de infância, Goldie Hawn. Por isso, quanto esta aparece noiva de um cirurgião plástico (Bruce Willis), Streep vê a oportunidade ideal de matar dois coelhos com uma só cajadada: por um lado, rouba o marido a Hawn porque… é isso que faz; e, segundo, fica com acesso directo às operações plásticas que tanto ambiciona. Quem não fica nada satisfeita é Goldie Hawn, claro, que jura vingança sobre os dois.

Entretanto, há de surgir a misteriosa Isabella Rossellini, também ela a desafiar a idade (com 39 anos há altura e a envergar só um cachecol(!)), que tem uma poção mágica da eterna juventude – quem a toma não mais envelhece, porque… morre. Zemeckis encontra a metáfora perfeita em Hollywood, com todos os actores e celebridades que parecem sofrer de Síndrome de Peter Pan e, numa cena final numa festa com uma série de famosos que encenaram a sua própria morte para se manterem vivos (e jovens) para sempre – Elvis, Warhol, Dean, Jim Morrison, Garbo, estão lá todos… – que parece a festa do Festival Rocky de Terror.

Entre a sátira e o humor negro, Zemeckis consegue ser divertido sem ser gratuito, naquele equilíbrio sempre difícil de conseguir alcançar na comédia, ainda para mais numa comédia que pretende ser mais inteligente do que simplesmente fazer rir. E, enquanto nos entretém, entretem-se também a si própria, com actrizes mortas a tentar lutar contra a precariedade dos corpos apodrecidos (e, aqui, A Morte Fica-Vos Tão Bem faz lembrar um primo afastado de Fim-de-Semana Com o Morto), Goldie Hawn com um buraco do tamanho da cabeça de um bebé na barriga e Isabella Rossellini rodeada de pajens semi-nus num castelo gótico. Zemeckis fez aqui um dos últimos filmes dos anos 80, quando já estávamos na década de 90, com aquele estilo gostinho feelgood muito próprio que já não se repete mais. Quem prova estes McBacons sabe do que estou a falar.

Título: Death Becomes Her
Realizador: Robert Zemeckis
Ano: 1992

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