Um filme sobre uma mulher que é observada maniacamente por um homem a partir da janela do prédio em frente ao seu só pode ter como tema a (falta de) privacidade, algo que é até cada vez mais pertinente no mundo digital que hoje predomina na nossa convivência. No entanto, o que não esperávamos era que todas as acções da protagonista fossem também actos invasivos, como que a sublinhar a grosso a mensagem da realizadora, Chloe Okuno.
Exemplo número 1: Maika Monroe e o namorado (Karl Glusman) vão a um supermercado e pedem para ver as câmaras de vigilância para identificarem um cliente da manhã, o que é atendido com grande normalidade pelo tipo que repõe a fruta(!) e que os leva até aos bastidores e, inclusive, os deixa fotografar o homem em questão. Exemplo número 2: Maika Monroe chega a casa e a senhoria está no interior com outro homem a arranjar a luz, sem qualquer aviso prévio. Exemplo número 3: nem sequer a autoridade sai incólume deste comportamento altamente invasivo, porque ao serem chamados por Maika Monroe por desconfiar que o vizinho da frente a anda a perseguir, sugerem que ela venha com eles, se esconda no corredor e espreite enquanto eles falam com ele, para ver se é o stalker. Exemplo número 4: finalmente, mas não menos importante, Maika Monroe pede a um tipo com que se cruza no seu prédio para ir ao prédio em frente ameaçar o tal vizinho, que desconfia que a observa, e lá vai ele com um encolher de ombros, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Todos estes comportamentos das personagens de Watcher não ajudam a criar o ambiente que a realizadora queria, apesar de se esforçar em montar um thriller psicológico minimalista e elegante. E em que até tem o condão de fugir a todo o custo da esteriotipização da Roménia, onde o filme se passa. É que Maika Monroe acaba de se mudar para Bucareste com o namorado, que é romeno e que acaba de arranjar um novo emprego que o obriga a passar o tempo quase todo longe de casa, o que potencia ainda mais o seu abandono e a sua desorientação.
Alguém já comparou Watcher a Repulsa e esse exercício não é descabido. Tal como no filme de Polanski, a paranóia é algo que Chloe Okuno gosta de trabalhar, numa tentativa de construir algo. Mas é (obviamente) com Janela Indiscreta que Watcher mais se aproxima e com toda aquela questão da perda de privacidade, especialmente nas cidades, se bem que a referência directa que é feita a Alfred Hitchcock é a Charada, que Maika Monroe vai ver ao cinema. E também não fica mal, já que nesse filme Audrey Hepburn era perseguida por vários homens durante o tempo todo.
Com um arco narrativo que precisava de ser mais limado (especialmente na relação entre Maika Monroe e o namorado, que desde o primeiro dia que chega à Roménia se enfia no trabalho e, quando reaparece, está todo chateadinho com o comportamento errático da namorada, se bem que mal falou com ela até então), Watcher acaba por chegar ao último acto e cair por completo na armadilha dos lugares-comuns: o assassino que toda-a-gente-estava-a-ver-mas-que-era-tão-óbvio-que-não-pode-ser-ele, a vizinha do lado que está ali apenas para ser carne para canhão e um par de cenas de violência mais gráfica para preencher a cota mínima. Tudo serviços mínimos para levar o Happy Meal para casa.
Titulo: Watcher
Realizador: Chloe Okuno
Ano: 2022