| CRÍTICAS | Respect

Todos os adjectivos serão sempre poucos para descrever Aretha Franklin. A Rainha do Soul, considerada uma das melhores cantoras de sempre pela Rolling Stone (e por uma série de gente insuspeita), não só foi uma das maiores vozes de sempre, como ajudou ainda a redefinir o gospel, o blues e, claro, a soul. Além disso, foi ainda um rosto forte na luta pelos direitos humanos, especialmente na emancipação da comunidade negra norte-americana, além de um ícone feminista muito importante.

Respect, que toma emprestado o título de uma das canções-bandeira de Aretha Franklin (e que a própria tomou emprestado de Otis Redding de tal forma que a canção ganhou outra identidade nas suas mãos), é então o biopic que procura prestar tributo à Rainha do Soul, mas que o faz de uma forma tão respeitosa que parece ter medo de dizer algo que a chateie minimamente. É, or isso, um filme quase inofensivo, que normaliza e higieniza as partes más da vida da cantora (as drogas e o álcool, a violação quando era criança (numa curta e rápida cena, mais ambígua do que sugestiva) ou a saúde mental frágil, sempre reduzida aos demónios que a atormentavam) e sublinha a traço grosso as partes boas.

Não admira, portanto, que Respect termine pouco depois do concerto que viria dar origem ao disco Amazing Grace (e que, há um par de anos, resultou também no documentário homónimo, que esteve na gaveta durante décadas), um dos grandes momentos da carreira de Aretha Franklin, ou não fosse este o mais bem sucedido álbum de gospel da história da música. É que, assim, o filme faz um arco narrativo perfeito, com Aretha Franklin a terminar numa enorme redenção, regressando à música, à religião e à sua própria família em grande estilo e pela porta grande.

Para trás fica uma vida de altos e baixo, mas sempre de luta constante, contra os tais demónios interiores, mas também contra o marido abusivo (atenção a Marlon Wayans, que já começa a justificar um papel mais a sério), uma relação traumática com o pai (Forest Whitaker), a discriminação racial e a sociedade patriarcal. Tudo isto é construído com base numa estrutura clássica do filme biográfico, sem inventar, mas também sem comprometer.

Então e Jennifer Hudson? Obviamente que toda a gente sabe que também canta nas horas, mas, apesar de todo o esforço, não é Aretha Franklin quem quer, mas sim quem pode. Basta ver aquela actuação ímpar da diva no tributo à Carola King, no Kennedy Center (e que a realizadora Liesl Tommy coloca nos créditos finais, de forma a arruinar por completo a nossa suspensão na descrença, como que a dizer a Jennifer Hudson pode ser muito boa, mas nunca será Aretha-Franklin-boa) para perceber a diferença. Falta-lhe uma espécie de fogo interior, que coloca tudo num nível de exaltação acima. Mas pronto, para ouvirmos Aretha temos sempre os discos. Para vermos o seu biopic, ficamos com este McChicken.

Título: Respect
Realizador: Liesl Tommy
Ano: 2021

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