Vou-vos contar um segredo: só vi o História Interminável há poucos anos atrás, já era adulto feito. Eu sei que é difícil para vocês acreditarem e que estão neste momento a interrogarem-se como é que consegui ter uma infância feliz. Foi uma das desvantagens de ter um irmão mais velho, que teimava em armar-se em polícia do gosto. E, como nunca achou piada a gnomos, anões, elfos e todas as outras coisas que o rock progressivo canta, achava por bem não me expor a isso. Até que uma cassete emprestada com o Willow – Na Terra Da Magia me mostrou que, afinal, a fantasia é do caraças. Mas ter um irmão mais velho também teve as suas vantagens: não passei pela fase dos MiniStars e dos Onda Choc ou pelas matinés intermináveis do Ernesto, saltando directamente para coisas bem mais interessantes.
Mas já diz a sabedoria popular que mais vale tarde que nunca. E se há coisa que História Interminável é, é ser intemporal. Pelo menos era essa a intenção de Wolfgang Petersen, no seu primeiro filme em inglês (apesar de ser uma produção exclusivamente alemã, o realizador apostou na americanização do filme já a pensar nas exportações e, claro, no seu próprio salto para Hollywood), que adapta ao cinema o clássico homónimo da literatura fantástica de Michael Ende. O livro História Interminável está para a literatura alemã assim como a obra de Tolkien está para a inglesa, numa fábula de criaturas e aventuras inspirada no folclore germânico e orientado para um público juvenil, mas a piscar o olho aos adultos também.
História Interminável recorre a uma panóplia de efeitos-especiais que envelheceram muito mal, mas que lhe dão uma espécie de charme datado, num misto de projecções, criaturas à Jim Henson e muitas maquetes de esferovite, construindo uma mistura de Terra Média com filosofia new-age. Por isso, mais do que enfrentar criaturas fantásticas e vilões gloriosos, o herói de História Interminável tem, sobretudo, de se encontrar a si próprio e enfrentar os seus fantasmas interiores, numa jornada mais pessoal e introspectiva do que física e aventureira. Para quem conhece os jogos Phantasy Star na Mega Drive sabe do que estou a falar.
A história de História Interminável tem então o seu centro em Bastian (Barret Oliver), um puto com uma infância difícil: a mãe morreu, a escola não lhe corre bem e é vítima de bullying diariamente. Até que, por acaso, conhece um velho e misterioso livreiro, que lhe mostra um livro muito especial. Um livro onde o leitor não está seguro, porque ele próprio faz parte da história. E a coisa pode não correr bem. Movido pela sua curiosidade natural juvenil, Bastian fana o livro, falta as aulas e passa um dia inteiro escondido a ler o livro. Ora que belos valores para um filme juvenil passar: rouba coisas, não vás às aulas e foge de casa para fazer o que bem entenderes!
História Interminável é uma espécie de filme meta-referencial, já que Bastian influencia a história que lê ao mesmo tempo que nós, espectadores, influenciamos (ou somos influenciados, neste caso) pelo filme que vemos. Uma espécie de jogo de espelhos e reflexos, com uma certa magia no ar, que torna impossível não gostar e simpatizar com o filme. Mesmo que só o estejamos a ver agora, com 30 anos. E isso vale o filme, mesmo que depois o resto seja um pouco coxo e, por vezes, colado com cuspo. Os efeitos-especiais são datados, é certo, mas isso não é problema na história de Atreyu (Noah Hathaway), o guerreiro escolhido para salvar a terra de Fantásia da ameaça do Nada, numa demanda pouco ligada entre si e, por vezes, mais inconsequente do que seria de esperar.
No entanto, não deixa de ter o seu encanto e, para quem o viu na idade certa, História Interminável é um monumento autêntico. Afinal de contas, História Interminável é o Harry Potter de quem cresceu nos anos 80, com banda-sonora de um dos grandes da altura e tudo: Limahl, o vocalista dos míticos KajaGooGoo. Tudo coisas boas demais para não valerem um McBacon dos grandes.
Título: Die Unendliche Geschichte
Realizador: Wolfgang Petersen
Ano: 1984