| ESPECIAL | Predador

A primeira coisa que surpreende ao rever Predador, 35 anos depois da sua estreia, é verificar como continua extremamente actual. Apesar de ser um filme de ficção-científica de 1987, Predador não envelheceu nada mal, inclusive no campo dos efeitos-especiais. E isso é uma das razões pelas quais continua a ser um dos melhores filmes de sempre e um franchise que continua a dar frutos (mesmo que, por vezes, não sejam muito saborosos). Isso e, claro, por causa do monstro, uma das mais incríveis criaturas da história da sétima arte – um caçador sanguinário e brutal, que vinha à Terra na mesma década de ET – O Extraterrestre, em que todos os aliens eram nossos amigos. Spielberg estremeceu na cadeira quando o viu.

Contudo – e apesar da sua estrutura de série b despachado -, Predador começa por ser outra coisa antes de o ser. No início, Predador é um war movie, que vai buscar a sua inspiração directamente ao Vietname, mas na selva da América do Sul em vez. Afinal de contas, a queda de Saigão já tinha acontecido há uma dúzia de anos. Arnold Schwarzenegger é então Dutch, o líder de uma equipa de elite de soldados especialistas em resgates, que são convocados pelo seu antigo compincha, Dillon (Carl Weathers), para uma missão num país nunca mencionado na América do Sul, onde um ministro qualquer despenhou-se de avião.

No entanto, chegados ao terreno, tal como a missão se há de revelar outra coisa, também o filme se há de transmutar. É que, em vez de mercenários latinos, Arnie e o seu grupo movido a testosterona (um herói colectivo bem diversificado, onde se inclui o geek Shane Black e o machão do Alabama, Jesse Ventura) vão ver-se a braços com uma ameaça de outro mundo. Aliás, a cena de abertura de Predador já o havia dado a entender, com um plano de uma nave a passar ao largo da Terra e a deixar uma encomenda.

Era a primeira vez que víamos o Predador e ainda não sabíamos muito bem ao que vínhamos. Dá para perceber que estamos na presença de um predador apex (ou um superpredador, como a ciência chama aos predadores que estão no topo da cadeira alimentar) e que, além de ter poder de fogo, conta ainda com a) uma capacidade de se camuflar na natureza como um camaleão; b) uma visão por infravermelhos; e c) um gostinho especial em esfolar as suas vítimas e em exibir os seus crânios (ainda ligados à espinha vertebral) como troféus. John McTiernan sabe que tem aqui um trunfo fortíssimo e, por isso, vai gerindo essa expectativa a seu gosto, revelado-nos a criatura aos poucos e poucos. Por isso, quando ela finalmente surge, em todo o seu esplendor, njá para bem lá do meio do filme, já a panela de pressão está prestes a explodir há mais de 10 minutos.

O que começou como o Rocky na selva, rapidamente se transforma no Alien – O Oitavo Passageiro na selva. E aqui há que abrir parêntesis para realçar outra personagem que é fundamental para o sucesso de Predador e que raramente é mencionada: a selva. É que esta selva, que se ergue em todas as direcções de forma cerrada, quase como uma massa intransponível de verde, é fundamental para criar o sufoco em que os seus personagens se vão ver presos. É uma ameaça tão poderosa quanto a do Predador.

John McTiernan leva então o creature movie ao âmago do seu conceito, terminando tudo com um duelo mano-a-mano entre o homem e a besta. Para isso, Arnie vai-se despindo a pouco e pouco de tudo o que é acessório ao longo do filme, até chegar a esse momento de sobrevivência pura. Afinal de contas, Predador é um filme cheio de testosterona desde o primeiro segundo, onde só há uma mulher à vista em todo o filme (Elpidia Carrillo, uma das rebeldes que é feita prisioneira) e onde tudo começa com aquela cena memorável, que é a exacerbação ao extremo do bromance até aos limites do homo-erotismo: Dillon, you son of a bitch, corte para grande plano de dois braços super-musculados bem contraídos em despique. Se não sabem do que estou a falar, chequem aqui.

Predador tem ainda alguns dos momentos mais memoráveis de Arnold Schwarzenegger (get to da choppa!), um dos heróis colectivos mais perfeitos de sempre (como é que nunca ninguém fez um filme de homens em missão com esta tropa de elite?) e, claro, introduz-nos a última grande criatura que o cinema pariu. Só faltou mesmo Jean-Claude Van Damme no fato do Predador para a coisa ser perfeita. Mesmo assim, Predador é um Royale With Cheese redondinho, sem nada mais a apontar.

Título: Predator
Realizador: John McTiernan
Ano: 1987

“É como o primeiro Predador, mas desta vez noutra selva, na mais perigosa de todas: a de ferro e aço”. Aposto que alguém se sentiu muito orgulhoso e quase como se tivesse descoberto a pólvora quando conseguiu vender a ideia de fazer Predador 2 na cidade.

É uma Los Angeles a lembrar a Detroit de Robocop que encontramos em Predador 2. Ou seja, assolada pelo crime e entalada numa guerra de gangues, em que os jamaicanos parecem estar a sair por cima. E é giro ver o realizador Stephen Hopkins a divertir-se, exagerando ao máximo todos os estereótipos possíveis. Por exemplo, os jamaicanos têm todos longas rastas e fumam grandes canhões. Como não, não é? Só faltou estarem sempre a ouvir Bob Marley. Por isso, sempre que eles aparecem deixamos de ver um filme de acção e passamos a ver o episódio perdido de Cheech e Chong.

Depois aparece o durão do pedaço. Danny Glover é um polícia escaldado, pouco ortodoxo, com dificuldades em seguir as regras da polícia, mas extremamente eficaz. Em suma, o maior erro de casting de, provavelmente…, sempre. Porque ele bem nos tenta convencer de que é um herói de acção, mas tudo o que vemos é um velhote desengonçado, a tentar não correr muito depressa para não deslocar a andar. E estamos sempre à espera que diga I’m too old for this shit.

Aliás, parece que Predador 2 foi ao set de Arma Mortífera e pediu para comprar Mel Gibson. No entanto, ele já devia estar esgotado, mas convenceram-nos a levar Danny Glover, que era a mesma coisa. Afinal de contas, ele passou quaró filmes a ver bem de perto como é que Mel Gibson o fazia. E os produtores de Predador 2 lá foram na cantiga.

Predador 2 é então uma xungaria pegada, com um pseudo-argumento que não interessa a ninguém, onde se inclui Gary Busey (que é sempre um selo de garantia xunga), com todos a tentar caçar o Predador armado em caçador interplanetário. E se não fosse este um dos maiores monstros do cinema de género, Predador 2 era quase irrelevante. Felizmente, Hopkins consegue salvar a pele dando tempo de antena suficiente para o monstro matar, esfolar e desossar todos os que empunhem uma arma. E, depois, o golpe de génio: intencionalmente ou não, Predador 2 coloca um crânio de um alien na nave-mãe do bicho e dá o pontapé de saúde para um dos maiores crossovers da história da sétima arte. Não correram bem, é certo, mas a intenção foi boa. Tal como a de Predador 2, que se safa à rasquinha com um Double Cheeseburger.

Título: Predator 2
Realizador: Stephen Hopkins
Ano: 1990

Aquele bicho feio e mau que o cinema criou e baptizou simplesmente de Predador é um dos monstros do top 3 da sétima arte, um pódio que partilha com o monstro da Lagoa Negra e, claro está, com o seu compincha Alien. No entanto, com excepção da bem intencionada sequela, tudo o que foi feito ao franchise após o excelente filme de John McTiernan foi apenas arrasta-lo na lama. Por isso, de certa forma, aceita-se este reboot feito à série.

Comparado com tudo o que já foi feito no universo Predador, este Predadores é o que está mais próximo de emular o espírito do filme original. E, para isso, basta atentar aos nomes por detrás do filme: Robert Rodriguez, na cadeira de produtor, e o húngaro Nimród Antal, de O Motel e, especialmente, do desconhecido mas genial Kontroll. Predadores é, portanto, um exercício mais perto do série-b clássico e económico do que das tretas sci-fi de Paul W. Anderson.

Os bons filmes de acção começam assim: como se entrássemos, perigosamente, num comboio a alta-velocidade em andamento. Predadores começa literalmente assim: dispensando o genérico inicial, apanhamos o super-soldado Adrien Brody em queda livre, sem saber onde está nem tão pouco porquê. Portanto, desde o primeiro segundo que o conhecemos que está a lutar pela sobrevivência, só parando para respirar quando tudo está acabado. É por isso que só ouvimos o seu nome nos instantes finais do filme.

Predadores inverte Predador: em vez de um grupo de soldados a caçar um Predador, temos vários Predadores a caçar um grupo de soldados, trazidos para um planeta desconhecido tipo reserva de caça natural, para treino especial dos bichos. Já vimos isto antes, quando o Ice-T se tornou presa humana em Presa Mortífera, mas nunca a este nível.

Temos então um herói colectivo que parece vindo dum anúncio da Benetton: um soldado das guerrilhas da Serra Leoa, outro dos cartéis da América do Sul, outro da Faixa de Gaza, outro da Yakuza… E como em qualquer série-b que se preze, o americano é o líder, quem salva o dia e quem fica com a miúda no fim. Como se não bastasse, Predadores honra ainda a memória do cinema de segunda categoria, colocando no grupo o cada vez mais deus, Danny Trejo. E faz dele o que o cinema trash sempre fez dele: mata-o ainda antes da meia-hora de filme.

Predadores é um filme de guerra, com violência gráfica e sanguinária, que apenas patina quando Antal decide inventar: um sub-enredo perto do final que é um deus ex machina manhoso e que não serve para coisa nenhuma senão tentar justificar mais um euro do preço do bilhete; um Lawrence Fishburne caído do céu para coisa nenhuma; ou um mano-a-mano entre um Predador e um tipo da Yakuza em modo samurai. Estava feito o reboot à série, de forma mais ou menos honesta e conseguida, a modos de um McChicken. Agora que Deus Nosso Senhor nos ajude com as inevitáveis sequelas.

Título: Predators
Realizador: Nimród Antal
Ano: 2010

Predador é um filme de acção perfeito, um daqueles 10 em 10, redondinho e sem espinhas. Depois disso, as sequelas foram perdendo interesse de forma exponencial. A minha única dúvida é se deveremos ter em consideração os dois filmes Alien vs Predador. Talvez não o devamos fazer, por respeito a John McTiernan.

Assim, antes que a série caísse na irrelevância total, eis a última cartada: uma sequela-que-era-para-ser-um-remake assinado por alguém com crédito suiciente para o fazer. Neste caso, Shane Black, que foi actor no filme original e que, apesar da curta carreira como realizador (olá Kiss Kiss Bang Bang) ou mesmo como argumentista (olá O Último Grande Herói, olá A Fúria do Último Escuteiro), já mostrou ter unhas para tocar esta guitarra. Quer dizer, na verdade não mostrou nada, mas nós, fãs cegos, contentamo-nos com pouco.

Predador de John McTiernan, apesar do template de war movie, era um filme que simbolizava o confronto mais básico entre o homem e a besta, até ao seu ponto mais primitivo e instintivo. As sequelas trataram de ir acrescentando mais coisas, explorando (às vezes até longe de mais) essa ideia de caçador do espaço. O novo Predador dá mas um passo nesse caminho e agora temos predadores que evoluem e um predador… gigante(!).

Como é que chegámos até aqui? Shane Black despacha um argumento com a economia narrativa de um série b, muito action driven. Há uma nova criatura na Terra a ameaçar os humanos, os Estados Unidos estão a postos porque têm estado cientes dessas visitas cada vez mais recorrentes, mas quem vai salvar o dia são um grupo de loucos avariados da marmita. Este grupo de anti-heróis são rejeitados do exército, antigos militares com traumas psicológicos, liderados pelo sniper Quinn McKenna (Boyd Holbrook).

Tal como é usual nos filmes que assina – e na sua própria personagem em Predador -, Shane Black tem no humor um trunfo fundamental. Todas as suas personagens têm sempre uma tirada espirituosa na ponta da língua e a irrisão está sempre a espreitar por trás da próxima cena. O problema é que, desta vez, parece ter perdido o controlo e Predador resvala várias vezes para a valeta. Aliás, damos por nós várias vezes se saber se deveremos levar o filme a sério ou a brincar.

À mulher de César não basta sê-la, é preciso parece-la também e Shane Black é mais um que desbarata o crédito que trazia para dar um novo fôlego ao Predador. Este Cheeseburger poderá mesmo ser o suspiro derradeiro da última grande criatura da história da sétima arte, mas ao menos serve para relembrarmos ainda com mais carinho aquele filme perfeito de 1986.

Título: Predator
Realizador: Shane Black
Ano: 2018

Depois de 35 anos de sequelas, reboots, remakes e crossovers, já só faltava ao franchise do Predador uma opção: contar a sua origem. Por isso, o que O Predador – Primeira Presa faz é recuar no tempo 300 anos para nos mostrar a primeira vez que uma dessas criaturas veio à Terra para caçar. O que ninguém esperava é que fosse pilhar descarada e vergonhosamente um fan made movie. Até porque, dentro desse género, há outro bem melhor.

O filme original foi aquele que mais se aproximou da premissa básica de Predador: o do confronto do Homem contra a Besta. E é isto que este O Predador – Primeira Presa volta a fazer. Só que, desta vez, não estamos perante um soldado, mas antes um outro caçador. É que Nauru (Amber Midthunder), a protagonista de uma tribo comanche nos Estados Unidos do início, é ela também uma jovem a querer completar o ritual de passagem, que a tornarão numa adulta e numa caçadora de pleno direito.

Parece uma luta desigual, mas o Predador vai ter mais com que se entreter. Como é a sua primeira vez na Terra, ainda não sabe muito bem com o que contar e, por isso, vai-se entretendo a esfolar outros animais até encontrar o predador alfa. Contudo, há um plot twist. É que, pelo caminho, o Predador e a própria Naru vão-se cruzar com um grupo de franceses caçadores de bisontes, que os esfolam para comercializar as peles (alguém viu The Revenant – O Renascido?) e que, na sua crueldade desumana, são os verdadeiros monstros desta história. Não se via metáfora mais óbvia neste franchise deste que o Predador foi caçar a Los Angeles, a selva de betão, em Predador 2.

O Predador – Primeira Presa demora-se então na Lita pela sobrevivência de Naru, sozinha na selva, em que vai ter inclusive que ultrapassar um obstáculo que, na nossa infância, era quase omnipresente nos filmes de aventuras e que, entretanto, parece ter desaparecido: as areias movediças(!). Incrível como, em 2022, temos um filme do Predador em que areias movediças têm um papel determinante na história. Depois, dá tempo de antena suficiente para o Predador participar em algumas matanças do porto, no filme mais violento e gráfico desde as explosões gore de John McTiernan, no episódio original. E, finalmente, resolve tudo no mano-a-mano final, tão simbólico quanto referencial, até porque presta tributo a Arnie (if it bleeds we can kill it, alguém diz à tantas) e ainda faz a ponte com Predador 2. Não é o melhor filme da série, mas aceita-se o Cheeseburger.

Título: Prey
Realizador: Dan Trachtenberg
Ano: 2022

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