| CRÍTICAS | A Lei de Teerão

E, de repente, o Irão produz um filme que é, simultaneamente, um sucesso de bilheteira dentro e fora de portas. Não é que o cinema iraniano seja propriamente desconhecido internacionalmente, mas A Lei do Teerão não é propriamente o que estamos habituados nos filmes de Abbas Kiarostami ou Jafar Panahi. Aliás, aqui nem sequer há carros [ihihi, risos]. A Lei do Teerão está muito mais próximo daquilo que se convencionou chamar de “cinema comercial” e do formato do blockbuster de Hollywood, um thriller de mocinhos e bandidos sobre o tráfico de droga no país de Ali Khamenei.

No entanto, ao contrário dos filmes de Hollywood não há aqui explosões nem sequências de acção exageradas. Há de haver uma perseguição a pé de quem andou a ver Ruptura Explosiva (e Kathryn Bigelow é uma referência óbvia em todo o filme) e uma explosão de dimensão considerável, mas são sempre em função do argumento e não o contrário. Ou seja, é um thriller que não é action driven e, por isso, o molde é o de Os Incorruptíveis Contra a Droga, outra referência inevitável que está sempre a vir ao de cima.

Além disso, A Lei de Teerão também não é o típico filme dos bons contra os maus. Ou seja, há aqui polícias e há traficantes de droga, mas o filme está cheio de zonas cinzentas e até momentos em que uns e outros passam a linha para o lado de lá. Ao contrário do blockbuster que é normalmente esquemático, A Lei de Teerão é um filme de personagens. Por isso, a acção desenrola-se sobretudo nos diálogos, que são verdadeiros duelos em que a palavras substituem as balas. Aaron Sorkin é a outra referência natural, que irá gostar do que vir aqui, certamente.

Mas afinal do que trata A Lei de Teerão? Este é um thriller sobre o flagelo da droga no Irão, em que a lei condena à morte tanto quem é apanhado com 50 gramas como com 5 quilos. O que significa que, num país em que as desigualdades sociais são mais fracturantes, perdido por cem perdido por mil. Em poucos anos, o número de toxicodependentes aumentou de 1 milhão para 6 milhões e meio, o que prova que a tolerância zero da polícia não só não produz grandes efeitos, como ainda ajuda a piorar tudo. Tanto para um lado, como para outro.

O grande trunfo do filme de Saeed Roustayi é a forma como mostra como esta é uma história condenada a não ter vencedores. De um lado, a polícia – encarnada pelo inspector Samad Pajidi (Payman Maadi), que vive para o trabalho – tem sempre que fazer mais, mas acaba por estar dependente de um sistema que chega a ser kafkiano de tão labiríntico e auto-sabotador que é. Do outro lado, os bandidos – encarnados pelo traficante-mor, Naser Khakzad (Navid Mohammadzadeh) – vivem num mundo em que a escolha é entre a pobreza ou a morte. Por isso, quando Saeed captura finalmente Naser e tudo parece que vai ter um fim, acaba apenas por representar apenas uma pausa. Em breve tudo recomeçará de novo, provavelmente ainda de forma mais destrutiva.

Uma das cenas mais marcantes de A Lei de Teerão é quando a polícia vai aos arrabaldes da cidade, onde uma série de indigentes vive no meio da pobreza e da adição em alvéolos da construção civil, utilizando como figurantes vários locais. Estes extras dão espessura humana ao filme, em que os protagonists servem para amplificar a sua voz. Tudo isso ser artifícios exagerados nem forçados. A Lei de Teerão é um óptimo filme de acção, inteligente e eficaz, como se perdeu em Hollywood. Não admira que tanta gente tenha reencontrado o thriller como se fosse um género em vias de extinção. É que, de facto, há muito que não se via um McBacon destes.

Título: Metri Shesh Va Nim
Realizador: Saeed Roustayi
Ano: 2019

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