| CRÍTICAS | Órfã

A abertura de Órfã não poderia ser mais perturbadora. Vera Farmiga prepara-se para dar à luz, mas de repente aquela cama de hospital transforma-se numa mesa de tortura e numa pequena sessão de horrores. Sabemos logo que aquilo é um sonho, mas fica dado o mote. Órfã é um filme que vai esgravatar fundo na temática da maternidade e na relação entre pais e filhos. E, como sabemos, isso não é uma coisa simples de se ver.

Órfã estreou pouco depois de O Orfanato (outro belo espécime de cinema de terror), em mais uma daquelas ocasiões que dois filmes de temáticas semelhantes estreiam quase em simultâneo. Mas aqui, apesar do argumento ser semelhante, é bem mais simplificado. Vera Farmiga e Peter Sarsgaard são um casal que decidem adoptar uma terceira filha, depois de terem tido um aborto complicado (e todo um rol de traumas, que parecem acumular-se de cena para cena). Para isso vão a um orfanato como quem vai às compras e escolhem uma menina russa um pouco esquisita e bastante madura para a sua idade (Isabelle Fuhrman). E se de início ela era toda falinhas mansas e afável, no fim revela-se uma peste manipuladora, malévola e cruel. 

Órfã é um parente afastado de O Orfanato, mas um primo muito próximo de O Bom Filho. E, tal como este, também há uns fantasmas complicados no armário do casal, que serve para esgalhar bem o argumento e alguma tortura psicologia. Órfã não se faz tanto de um terror gráfico ou de um suspense apurado (mas também o há, é certo), mas antes de um terror psicológico, à boa maneira de um A Semente Do Diabo. E a fotografia cuidada e as tensões criadas pelo cenário físico da casa dos protagonistas (excelente espécime de arquitectura, por sinal) remetem ainda para Shining (e, basicamente, para os filmes de casa assombrada). 

Claro que isto é tudo conversa de pseudo-intelectual do cinema, porque o verdadeiramente assustador de a Órfã é mesmo a órfã. Isabelle Fuhrman faz o Macaulay Culkin, de O Bom Flho, tremer de medo, e faz o Damien, de O Génio do Mal, passar as noites em branco completamente aterrado. Sempre com vestidos antigos e negros, Isabelle Fuhrman é um bruxa em potência, com uma expressão de pedra e um olhar vazio, que nos deixa arrepios na espinha sempre que pensamos nela.

Órfã é, portanto, um belo flick de terror psicológico, se bem que meter crianças a fazer coisas cruéis acaba por ser, de certa forma, uma muleta fácil. No entanto, o que estraga o filme é o final. Depois de um twist mais ou menos recambolesco (mas, hei, isto é um filme de terror, que estávamos à espera?), Órfã engana-nos com vinte minutos finais que parecem tirados de outro filme, onde de repente tudo se torna demasiado explícito, com tiroteios e duelos à faca, crianças de três anos a desviarem-se de balas, pessoal esfaqueado repetidamente que não morre e Vera Farmiga a rematar o filme, com um belo pontapé à Bruce Lee e uma one-liner digna de um badass-movie-série-b do Carpenter: I’m not your fucking mother. Olé, eis como estragar um filme simpático num McChicken.

Título: Orphan
Realizador: Jaume Collet-Serra
Ano: 2009

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