| CRÍTICAS | Criança Lobo

Criança Lobo é o título de um de seis episódios de uma antologia de contos de terror baseados em tradições e lendas portuguesas encomendada pela RTP. Frederico Serra, que regressa à realização depois de um hiato de quase década e meia (e desta vez a solo), explica que esta é, das seis histórias, a sua favorita e que, por isso, achou que merecia algo mais do que o pequeno ecrã. Assim, Criança Lobo ganhou uma certa autonomia e chegou à selecção oficial do MotelX.

Tal como Coisa Ruim, o filme fundador do terror nacional que Frederico Serra assinou a meias com Tiago Guedes, Criança Lobo alicerça-se num certo folclore muito português, de superstições pagãs e muita crendice. É, por isso, um filme de folk horror, muito em linha com uma tendência forte do actual cinema fantástico. Por isso, esta criança lobo do título não é tanto uma variação do Mogli, o menino criado por lobos (que, por sua vez, também já era uma variação dos gémeos Rómulo e Remo), mas antes uma espécie de lobisomem filho do demo.

Estamos então no Portugal profundo rural, algures em meados do século passado. Maria (Rita Cabaço) não consegue engravidar e, em desespero, decide fazer aquilo que todos a desaconselharam a fazer: ir pedir um milagre a uma toca especial que existe no meio do campo e que, segundo consta, concede desejos. A bruxa da aldeia (Maria João Pinho) alerta-a que aquele local pertence ao mundo dos mortos, mas Maria não quer saber. Desesperada, frustrada e humilhada, submete-se aos desígnios daquela cova. Rapidamente engravida, mas quando pare, traz ao mundo uma criança com sangue e dentes. É uma criança marcada, que se comporta como um lobo e que tem um estranho apetite por sangue. Por isso, vai crescer amarrado como um animal, que o pai não está cá para brincadeiras (nem para correr riscos, não vá ele morder o latifundiário das terras que habita).

Com uma reconstrução de época cuidada, Criança Lobo procura criar uma atmosfera quase opressiva, mas que, apesar de uma bonita fotografia, falta a profundidade de algo como A Bruxa – A Lenda de New England, por exemplo. É nesse cenário que se vai desenrolar a chegada a um momento decisivo na vida de João (Manuel Nabais), o menino com sangue e dentes. Frederico Serra aposta sempre na sugestão em vez de ser gráfico e é na criação dessa atmosfera quase claustrofóbica que está o trunfo do filme, apesar de por vezes parecer ter alguma dificuldade em se soltar da escala televisiva. Criança Lobo é um sólido pequeno filme fantástico, que, em conjunto com os restantes episódios da antologia Lusitânia, pode vir a saber melhor do que o McChicken.

Título: Criança Lobo
Realizador: Frederico Serra
Ano: 2022

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