| CRÍTICAS | One + One

Por vezes, existem encontros que valem uma vida. Os Rolling Stones e Jean-Luc Godard encontraram-se certa vez, numa dessas ocasiões inesquecíveis. Dois colossos a trabalharem juntos, para a posterioridade e para a nossa felicidade. O resultado chamou-se One + One e documentou, com a liberdade criativa pelo meio do francês, a gravação de um dos temas mais icónicos da banda de Mick Jagger e companhia.

Corria o ano de 1968: Godard era convidado pelo governo britânico para realizar um filme sobre o aborto, mas ao chegar a terras de sua majestade, a discussão pública acerca do tema tinha esmorecido e, de repente, já não era necessário nenhum filme. Para compensar, o governo inglês convidou Godard a permanecer de férias, com tudo pago, ao que o realizador respondeu que só aceitava se o deixassem fazer um filme com os Beatles ou com os Stones. Os primeiros recusaram prontamente e os segundos não se fizeram rogados, enquanto acrescentavam que eram fãs do mestre francês.

Godard estava cansado de andar a fazer filmes normais; então, agarrou nos Rolling Stones, ligou o modo activista político comprometido, encharcou-se em drogas e realizou One + One, enquanto a banda gravava no estúdio um dos seus temas mais marcantes, a homónima Sympathy For The Devil, a partir da leitura de Margarita e o Mestre, esse clássico da literatura russa (mundial?) de Mikhail Bulgakov. O resultado é uma espécie de filme surrealista, em que os Rolling Stones vão ensaiando vezes sem conta a mesma canção ao mesmo tempo que um tipo lê em voz alta erotic pulps. Tudo isto é cruzado com filmagens aparentemente aleatórias de Godard, com sequências de black phanters caídos por entre sucata enquanto distribuem armas e mulheres brancas, ou uma jovem a pintar palavras de ordem em tudo o que é propriedade pública.

Ao contrário do que é normalmente veiculado, One + One não é propriamente um documentário sobre os Rolling Stones. É certo que Godard capta um dos momentos mais emblemáticos da banda, com um Brian Jones semi-apagado em segundo plano e o resto dos Stones em auge criativo. E é precisamente essa coincidência entre arte pop e agir próprio que acaba por fazer o filme, porque senão não passaria apenas de uma grande trip.

One + One é um filme simbólico, onde os Stones são recrutados enquanto símbolo e não enquanto grupo musical. Aqui não os devemos ver como cinco rapazes que marcaram a música ocidental, mas antes como revolucionários, reacionários e tudo o que seja anti-establishment. E, em paralelo com isto, Godard recria uma série de mosaicos dispersos de natureza surrealista e activista (artivista?), onde tenta abordar outros movimentos revolucionários como o rock’n’roll para apontar o dedo a temas fracturantes: segregação racial, femininismo, autoritarismo… Ou, pelo menos, foi o que eu consegui perceber, porque as interpretações ficam em aberto para qualquer um.

Por isso, One + One vale quase exclusivamente pelas cenas em que vemos os Stones a ensaiar e a compôr esse seu grande marco da carreira. Observamos de forma vouyerista a evolução da música, a mudança do hammond para o piano, o surgimento das maracas primeiro e das congas depois, ou a mudança da letra, de who kill kennedy? para who kill the kennedys?, uma vez que o Bobby Kennedy fora assassinado entretanto. Ou seja, antes de haver Get Back, já havia One + One. Garanto-vos: se quiserem ver o filme sem utilizar o fast-forward, mais do que um Double Cheeseburger é deitar comida fora.

Título: One + One
Realizador: Jean-Luc Godard
Ano: 1968

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