| CRÍTICAS | O Ladrão de Bagdad

Longe vão os tempos em que o Médio Oriente era uma fonte de mistério, fascínio e exoticidade, que apaixonava o ocidente com a sua riqueza, misticismo e beleza. Com a globalização, o mundo diminuiu de tamanho e o oriente deixou de ser um mundo assim tão distante. Além disso, foi-se assimilando também um racismo estrutural perante aquele território, que culminou com o pós-11 de Setembro e toda a islamofobia. É certo que As Mil e uma noites continuam a ser ainda um ícone do Médio Oriente, mas mais como símbolo folclórico de outros tempos. Hoje em dia, tudo o que venha dali é visto como terrorista e, consequentemente, uma ameaça a temer. Fechem os vossos filhos em casa!

E, no entanto, houve uma altura em que o mundo árabe era fonte de deleite para os olhos e ouvidos. Era, inclusive, a origem de grande parte dos filmes de aventuras do cinema mudo e do período clássico de Hollywood. Hoje em dia ainda se ensaia, de quando em vez, uma nova versão do Aladdin da Disney ou algo como o recente Três Mil Anos de Desejo, mas já não é a mesma coisa. E, também por isso, é que um filme como O Ladrão de Bagdad continua a ter uma aura especial.

O Ladrão de Bagdad é um dos filmes obrigatórios no que diz respeito a aventuras ambientadas na antiga Pérsia. Aliás, o próprio Aladdin é uma versão de O Ladrão de Bagdad, com o vilão Jaffar, génios mágicos e tapetes encantados. Ou seja, é uma releitura de algumas das narrativas de As mil e uma noites em versão épica, filtradas pela visão grandiloquente do excêntrico Alexander Korda, o primeiro cineasta britânico a receber o título de Sir das mãos da rainha.

E, no entanto, a produção do filme foi tudo menos fácil. Korda imaginou o maior filme jamais feito, em todo o esplendor Technicolor, mas a meio de O Ladrão de Bagdad, o produtor teve que agarrar em toda a gente e leva-los para os Estados Unidos para fugir da guerra e dos bombardeamentos alemães. Na verdade, isso até acabou por o beneficiar, já que permitiu filmar a memorável cena com o génio da lâmpada nos open space a perder de vista do Grand Canyon, algo que não teria igual na Inglaterra. Mas pronto, tudo isso (e mais alguns problemas), fez com que o filme terminasse com três realizadores diferentes. E estes foram só os que forma oficialmente creditados. E, mesmo assim, O Ladrão de Bagdad foi um sucesso de bilheteira, arrecadou uma série de Oscars nas categorias técnicas e é até o primeiro filme de sempre a utilizar a que agora é quase obrigatória técnica do fundo azul.

Apesar do título (que pega emprestado o do homónimo filme de Douglas Fairbanks), o protagonista é Ahmad (John Justin), o rei da Pérsia que, cheio de angústia existencial e vontade de conhecer o mundo real, é enganado pelo seu vizir (o mítico Conrad Veidt, que tem aqui um dos maiores vilões da história da sétima arte) e acaba afastado do trono e enfeitiçado. É perdido nas ruas de Bagdad, cego e perseguido pela polícia, que Ahmad faz amizade com o tal ladrão (Sabu, que fez carreira a fazer de menino árabe ou indiano), com quem vai travar uma forte amizade com uma ainda mais forte tensão homo-erótica.

E é precisamente Sabu que vai enfrentar as aventuras mais memoráveis de O Ladrão de Bagdad, o que he valeu o título, mas também a influência para a personagem de Aladdin. É que, apesar de haver uma história de fundo – a do rei Ahmad, que procura conquistar um lugar ao lado da princesa amada, a bela June Duprez -, existem uma série de narrativas mais pequenas pelo meio. As mil e uma noites são precisamente um conjunto que várias histórias mais pequenas que formam, todas juntas, a grande história (atenção ao artigo definido em itálico). Por isso, entanto Ahmad anda de um lado para o outro perdido de amores e a sonhar em ver apenas mais uma vez o rosto da sua amada, Sabu vai ter de enfrentar o génio da lâmpada, que o tenta enganar com os três desejos (um overacting inesquecível de Rex Ingram, com uns efeitos especiais revolucionários), vai ter de matar uma aranha gigante anos antes de Frodo o fazer no grande ecrã com O Regresso do Rei e vai ter de roubar um tapete voador para atravessar metade do mundo a tempo de salvar Ahmad.

Há ainda cavalos-de-corda voadores(!), o Olho da Providência, muito sword and bruckel e até uma menção a Sinbad, mas que infelizmente já não chegamos a tempo de o ver. Tudo isto sempre a dar prioridade ao espectáculo, seja nas cores vibrantes do technicolor, seja na produção ambiciosa de Alexander Korda, que felizmente deixou cair a ideia de fazer disto tudo um musical. Sobra um par de canções, incluindo a famosa I want to be a sailor, cantada por Sabu, mas ficou a faltar contratar um bom compositor para o filme. 80 anos depois e O Ladrão de Bagdad pode ter algumas coisas que não resistiram muito bem ao passar do tempo (afinal de contas, levamos diariamente com overdoses de CGI), mas continua bem actual. Belos tempos em que, do Médio Oriente, vinham bem mais coisas do que a normalização do racismo com as ameaças terroristas e kebabs – vinham McBacons e promessas de um fascínio exótico.

Título: The Thief of Bagdad
Realizador: Ludwig Berger, Michael Powell & Tim Whelan
Ano: 1940

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