| CRÍTICAS | Uma Lista a Abater

O início de Uma Lista a Abater não é o mais favorável para Jay (Neil Maskell), que não parece ser a faca mais afiada da caixa. Vai discutindo com Shel (MyAnna Buring), a esposa, que o acusa de não só fazer nada há 8 meses, como também de gastar o dinheiro que já não têm em coisas inúteis, como um jacuzzi para o quintal e depois faz umas compras descabidas para casa: 10 garrafas de vinho para o jantar com o amigo, Gal (Michael Smiley), e a nova namorada, mas nenhum rolo de papel higiénico que estava na lista de coisas em falta. Durante o jantar a discussão é ainda mais feia. Há pratos pelo ar, comida no chão e o filho pequeno a ver. A cena é desconfortável e parece que estamos numa sequela do Uma Mulher Sob Influência. Nunca o realismo social britânico foi tão longe.

Depois a coisa continua, assim de forma meio corriqueira, até que descobrimos circunstancialmente qual a profissão de Jay. Ele é um assassino a soldo e não trabalha há 8 meses porque a última encomenda, em Kiev, parece ter corrido muito mal. O episódio há de ser comentado por várias pessoas ao longo do filme, todos parecem saber o que se passou e deve ter sido bem grave, porque o trauma ficou bem marcado em Jay, mas nós nunca vamos saber mais pormenores além disso. Também não parece ser importante, mas como muita coisa em Uma Lista a Abater, não é tão casual quanto isso. É só um de vários mcguffins que o realizador Ben Wheatley vai espalhando ao longo de todo o filme.

Gal, que é parceiro de matanças de Jay, tem mais um trabalho para eles, mas este último está relutante em aceitar. O trauma de Kiev, lembra-se? Mas a mulher está a meter pressão para ele aceitar. Esperem lá, mas Shel sabe da profissão do marido? Sim, mas o mais desconcertante não é bem isso. É que, no final, quando começamos a olhar para trás e a colocar tudo em perspectiva, talvez haja mais aqui do que parece. É só mais um dos mcguffins de Ben Wheatley. Ou será que aquele sorriso na cena final é involuntário e não quer dizer nada?

Jay há de acabar por aceitar o trabalho e vai ter de ir eliminar três alvos, juntamente com o colega. Uma Lista a Abater, no seu estilo quase de bonomia, é uma espécie de humanização do serial killer. Mas esperem, isto não é nem pouco mais ou menos o Henry – A História de um Assassino. É que assim que o body count começa a aumentar e os corpos a acumularem-se, Uma Lista a Abater vai-se metamorfoseando em algo mais. Primeiro, de forma seca e brutal, as mortes são cada vez mais gráficas. Gaspar Noé esfregou as mãos de contente a ver aquelas sessões de tortura, enquanto que Park Chan-Wook viu que há outras formas igualmente marcantes de usar um martelo (ainda me deu um arrepio na espinha só de me lembrar novamente dessa cena).

Há sempre uma atmosfera perturbadora em Uma Lista a Abater. Pode ser a música sinistra que de vez em quando surge, mas pior que isso é a forma como os alvos, ao se aperceberem que vão ser eliminados, agradecem de forma pacífica. Que raio se passa aqui? Aliás, que raio se passa na cabeça de Ben Wheatley? Isto não começou por ser um simples filme de realismo social britânico sobre a relação conturbada entre marido e mulher? É que, quando damos por nós, já estamos no meio do folk horror pagão de quem andou a ver em loop O Sacrifício. Mas que raio de viagem foi esta? E aquele final que é muito A Serbian Film pode ser algo gratuito, mas depois de uma viagem desta não nos podemos queixar. Quantas vezes é que um McRoyal Deluxe nos surpreende desta forma e com este poderio todo?

Título: Kill List
Realizador: Ben Wheatley
Ano: 2011

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