Aos 76 anos, Sylvester Stallone continua a recusar a envelhecer. Não é que tente passar por jovem (até porque não há plásticas e esteróides suficientes que o valham), mas Sly continua a insistir na personagem grisalha, que mesmo assim ainda consegue despachar os maus à pancada, seja no sul dos Estados Unidos (olá John Rambo), seja dento dos ringues (olá Rocky Balboa). Por isso, ao fazer o que faltava na carreira – um filme de super-heróis, mas de carne e osso, porque dar voz a um tubarão não é a mesma coisa… -, Sy insiste nessa ideia: a do herói retirado, que há de reaparecer, mesmo que velho, para se redimir e mostrar que quem sabe nunca esquece.
Não era preciso era levar tão a sério essa sua vontade de fazer de super-herói. É que Samaritan tem a profundidade de um livro de banda-desenhada. Aliás, a coisa não podia ser mais simbólica e feita de arquétipos. Ora vejamos: há algum tempo atrás, dois irmãos gémeos mutantes com super-poderes cresceram desavindos. O primeiro cresceu cheio de rancor, querendo vingar-se de toda a humanidade por lhe terem queimado a casa com os pais lá dentro e auto-intitulou-se de… Nemesis. O segundo cresceu a acreditar na justiça e igualdade para todos e auto-intitulou-se… Samaritan. A sério, uma coisa destas não se inventa, não é?
Samaritan tenta ainda passar uma mensagem de que todos somos santos e pecadores em potência e é na forma como decidimos as nossas acções que nos tornamos heróis e vilões. E como é que ilustra esta bonita reflexão? Com uma história a preto e branco, de bons e maus, todos muito formatados e bem definidos. Por isso, não há twist que o salve, uma vez que ainda ele não se anunciou e já nós lhe tirámos a pinta há distância.
Samaritan e Nemesis enfrentaram-se então há uns anos atrás e desapareceram ambos numa fábrica em chamas. Estarão mortos? Muito provavelmente, mas o miúdo Sam (Javon ‘Wanna’ Walton), que venera Samaritan, acredita que este ainda está vivo. Por isso, vê-lo em todas as pessoas que demonstrem um pouco de força fora do comum. Por exemplo, no vizinho da frente, que trabalha como homem do lixo e passa o tempo a arranjar velhos aparelhos analógicos que retira dos contentores (Samaritan tem este nível de simbolismo… Sly arranja coisas velhas do lixo porque tem assuntos por “arranjar” na sua vida). No entanto, quando este espanca os bullys que costumam azucrinar a sua vida, Sam sabe que desta vez acertou. Sim, Samaritan é o filme em que Sylvester Stallone espanca (e espancar é a palavra certa) um grupo de crianças(!). Sem apelo nem agravo(!!). Utilizando inclusive a sua super-força para os virar do avesso(!!!).
Desde que os dois mutantes desapareceram, que a cidade onde o filme se passa, Granite City, se transformou num antro de crime e violência. Granite City é mesmo o melhor de Samaritan, numa mistura entre Gotham e a Detroit de RoboCop – O Polícia do Futuro. Ou melhor, poderia ser o melhor de Samaritan, se o realizador Julius Avery não se limitasse a ilustra-la como um subúrbio qualquer pós-soviético e pós-industrial, com filtros cinzentões e escurecidos. É aqui que vai ascender um bandido, Cyrus (Pilou Asbæk), que acredita que para a cidade se reerguer é preciso uma purga, e que convenientemente encontrou o martelo que certa vez Nemesis forjou a partir do seu próprio ódio e que lhe dará igualmente super-poderes. Isso vai obrigar Sly a despir o seu fato de anonimato e a vir repor a order no pedaço.
Julius Avery avança em velocidade relâmpago por esta história fora, tentando não dar muito tempo para notarmos os buracos no argumento, que se baseia em duas máximas: nas coincidências super-forçadas e no porque sim. De x em x tempo insere ainda uma cena de acção com Sylvester Stallone e, no final, ainda ensaia um CGI manhoso, ao rejuvenescer Sly. O CGI de rejuvenescimento é o equivalente desta década aos fatos de borracha manhosos dos filmes de monstros dos anos 60 e 70. Samaritan é um filme de super-heróis construídos em cartão, que não passa nunca do Happy Meal. O melhor? Não haver aqui qualquer possibilidade de nascer daqui um franchise com sequelas.
Título: Samaritan
Realizador: Julius Avery
Ano: 2022