| CRÍTICAS | Os Inocentes

Normalmente, quando um filme começa com uma família com crianças a mudar para uma casa nova, das duas uma: ou a casa está assombrada e é uma horror story; ou é um coming of age. Não é que Os Inocentes tenha fantasmas, mas é como se o filme cruzasse estas duas possibilidades. É que os novos amigos que Ida (Rakel Lenora Fløttum) na vizinhança nova (assim como a sua irmã) têm poderes especiais. Espera lá, poderes especiais? Como assim?

Comecemos pelo início. A família de Ida muda-se então para uma casa nova, numa espécie de complexo habitacional que é o equivalente sueco aos nossos bairros sociais. Não é propriamente o sítio mais bonito do mundo, mas é grande o suficiente para um grupo de crianças encontrar todos os dias novas aventuras para viver. Ida tem uma irmã mais velha, que é autista profunda (Alva Brynsmo Ramstad) e ambas vão travar amizade com uma outra miúda, que sofre de vitiligo (Mina Yasmin Bremseth Asheim), e um rapaz mais velho com problemas de temperamento (Sam Ashraf).

Os Inocentes tem um ritmo quase atmosférico e, por isso, desenvolve-se lentamente. Quase que poderia ser um drama social, se aos poucos e poucos não começássemos a perceber que aquelas crianças partilham algo mais em comum do que a amizade. Além de serem todos eles marginais de alguma forma, também têm poderes especiais, como telecinésia e controle de mentes. Não é que eles sejam super-heróis, porque para isso já existe o Crónica. Afinal de contas, são crianças a descobrir o mundo e, para eles, aquelas descobertas não são muito diferentes de outras que vão fazendo com os seus próprios corpos.

É com este pano de fundo que Os Inocentes se desenvolve como uma reflexão sobre o crescimento, mas também sobre a amizade, a confiança e a cumplicidade. Aliás, Os Inocentes podia ser muito bem uma história de Stephen King, um teen movie sem a supervisão de adultos por perto (eles existem, mas são mais observadores do que intervenientes activos em todo este processo de auto-descoberta). Os Inocentes não anda muito longe de um Conta Comigo, mas em vez da descoberta de um cadáver, há um herói colectivo a descobrir que conseguem fazer coisas especiais.

Eskil Vogt, de quem já tínhamos visto um filme que pisava alguns dos mesmos temas (Thelma, sobre uma adolescente que se libertava da repressão de uma educação religiosa ao mesmo tempo que descobria ter poderes telecinéticos), constrói Os Inocentes com aquela frieza muito típica do cinema nórdico. É portanto um slow burner, que não tem problemas em ser gráfico quando a morte e a violência vêm ao de cima, até porque estas são também manifestações primitivas do ser humano. Tudo isto tem uma leitura literal e outra metafórica e simbólica, que convivem muito bem e com sentido. Vogt arrisca a ser para sempre conhecido como o tipo que escreveu A Pior Pessoa do Mundo, se bem que este McBacon deveria merecer-lhe o direito de conquistar um nome próprio no cinema sueco contemporâneo.

Título: De Uskyldige
Realizador: Eskil Vogt
Ano: 2021

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