| CRÍTICAS | Obediência

O texto seguinte pode conter spoilers

A Experiência de Milgram, que pede o nome emprestado ao sociólogo que a criou, Stanley Milgram, foi um exercício social e científico levado a cabo em 1964 e que ajuda a explicar a relação do cidadão comum com as figuras de autoridade. Já toda a gente viu variações desta experiência no pequeno ou no grande ecrã (é logo um dos primeiros episódios de Os Simpsons e também há um filme sobre o próprio, o recomendado Experimenter): consiste em ir dando ordens a uma pessoa cada vez mais duras, para ver até que ponto a pessoa obedece ou quebra. No caso, Milgram ia pedindo às pessoas para darem um choque cada vez mais potente a uma terceira, sendo que dois terços dos entrevistados chegaram mesmo à potência máxima, que levava à sua morte.

Por mais que saibamos isto, que ajudou a explicar o nazismo, a vida real está sempre ao virar da esquina para nos esfregar na cara que não estamos preparados para tal. Ora vejamos o caso real que Obediência recria: um homem liga para um restaurante de fast food, pede para falar com a gerente (Ann Dowd) e manda-a ir buscar uma das empregadas (Dreama Walker), que é acusada de roubar uma cliente. Até aqui a coisa ainda é mais ou menos aceitável, mas vai pior. O homem começa a pedir para a despir, para a revistar, para jogar fora a sua roupa, para, para, para… E, no final, há assalto sexual espancamento(!).

Como é que isto é possível?, é a nossa primeira pergunta. Porque o filme começa lentamente e vai avançando sem nos dar muito mais informações do que aquelas que as personagens estão a receber também. E se, ao fim de alguns minutos, já cheirámos o esturricado a milhas de distância, como é que podem aquelas pessoas continuar a ir na cantiga do bandido? A resposta é simples: autoridade. Basta aquela voz do outro lado da linha dizer que é polícia para que todos sintam o peso da obediência nos ombros. E para quem gritar aos sete ventos que a mim isso nunca aconteceria, lembrem-se que o tipo que fez esta chamada nos Estados Unidos foi acusado de mais outras 70(!) com resultados semelhantes.

Como o realizador Craig Zobel sabe que nós não vamos engolir aquela história até ao fim do filme, tem a boa decisão de revelar a meio quem está do outro da linha: o bem-falante Pat Healy, que ainda por cima não é nenhum pervertido, que só quer saber como são os mamilos da empregada despida no meio daquele escritório num restaurante de fast food. Enquanto vai dando ordens aquelas pessoas vemo-lo a fumar um cigarro calmamente no quintal ou a preparar uma bucha para o lanche. Como que a nos lembrar que os monstros se escondem sempre atrás de uma cortina de normalidade. E que a pirâmide do autoritarismo apenas replica posições de abuso e poder de nível para nível.

Obediência é assim uma óptima variação da experiência de Milgram que nos é servida de acordo com os signos do thriller. Meia dúzia de actores, um cenário e meio e uma ideia, a provar pela enésima vez que é essa a base do cinema e de qualquer bom filme. E quando é baseado em factos verídicos, tudo ganha ainda mais peso e gravidade. Um belo McRoyal Deluxe que revela o pior que existe no ser humano.

Título: Compliance
Realizador: Craig Zobel
Ano: 2012

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