| CRÍTICAS | Os Espíritos de Inisherin

Numa altura em que parecem proliferar os filmes em ilhas com gente rica, Os Espíritos de Inisherin mostra que, no cinema, as metáforas não precisam de ser marteladas na cabeça dos espectadores e que ainda há lugar para a nuance. É raro encontrar filmes que acertem tão bem no tom e no ritmo, que nos façam rir e sentir angústia, conforto e incómodo, que é sobre a coisa mais importante do mundo e sobre a mais ínfima irrelevância, que nos façam ao mesmo tempo pensar que estamos a perceber tudo e que não estamos a perceber nada mas afinal estamos mesmo a perceber tudo.

O filme começa com Colm (Brendan Gleeson) a querer cortar todos os lados e amizade com Pádraic (Colin Farrel). A decisão, que ganha contornos ainda mais bizarros numa ilha onde as alternativas não são muitas, espanta Pádraic, que não consegue aceder ao pedido de “divórcio” enquanto ele próprio não entender o que passa pela cabeça de Colm. O desejo de distância de um com a recusa em ser rejeitado de outro vai gerando uma fricção cada vez mais problemática até atingir contornos tão absurdamente exagerados que a certa altura se diz no filme: Mas ele tem 12 anos ou quê?

Depois há Siobhán (Kerry Condon), irmã de Pádraic, que tenta mediar o conflito enquanto se pergunta quanto tempo mais conseguirá aguentar na ilha que a vai sufocando. E, com uma centralidade discreta, há Dominic (Barry Keoghan), o “tolo” da ilha, o doidinho que parece frequentemente ser a única pessoa a reagir à insanidade da ilha com o mínimo de sanidade.

Há um momento no filme, quando vemos a vida de Dominic a desmoronar numa conversa de 3 minutos que culmina com um “lá se vai este sonho…”, que ancora toda a acção. Se eu acreditasse em cerimónias de prémios, dizia para darem já o Oscar ao Barry Keoghan. Isto sem desprimor para o resto do elenco, porque não há ali um elo fraco.

Num filme onde a história é tudo, há mais duas personagens que nos vão acompanhando e vão condicionando tudo o que acontece: a burra Jenny e a própria ilha, aqui apresentada de forma irrepreensível. No final temos um filme que parece ser sobre dois amigos desavindos, mas é sobre a única coisa que importa: o medo da morte de do esquecimento. Vai-se ouvindo ao longo do filme tiros da Guerra Civil irlandesa, há 100 anos, e não é certo onde preferiríamos estar.

Os Espíritos de Inisherin é um filme que se gosta mais dois ou três dias depois de ver, do que imediatamente quando se acaba. Começou como McBacon, mas é hoje, sem dúvida nenhuma, um Le Big Mac.

*texto por Diogo Augusto

Título: The Banshees of Inisherin
Realizador: Martin McDonagh
Ano: 2022

One thought on “| CRÍTICAS | Os Espíritos de Inisherin

  1. Depois de visto o filme parece-me que as críticas, apesar de ajustadas, não abarcam tudo o que vi no filme e assim:
    a. Shioban, era a única pessoa que tinha contactos com o mundo exterior através da sua devoção à leitura.
    b. Considerou que era a única coisa de que tinha pena de deixar para trás.
    c. A estória, fez-me lembrar a “Filha de Ryan”.
    d. As paisagens e a forma como são apresentadas são estonteantes.
    e. O ambiente da ilha e as alternativas indigentes, são o mote para uma história muito bonita de uma amizade destruída entre um amigo que queria deixar de o ser e de outro que não queria deixar de o ter.
    De ir às lágrimas a chorar e a rir.
    Um filme impensável que faz pensar, a diferença está, na leitura e no conhecimento. Saber que Mozart é do Século XVIII e não do XVII, fez a diferença, num sítio onde todos estavam com os olhos em COLM.
    Numa altura de mínimos aqui está um máximo.
    Façam o favor de ser felizes e ver que as diferenças que o mundo observou em 100 anos.
    Obrigado

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