| CRÍTICAS | Os Espíritos de Inisherín

Inisherin é uma pequena ilha irlandesa, não tão longe do continente assim que não dê para ver o fumo das explosões dos Troubles, que vão dado sinal de quando em vez, em pano de fundo. É que Os Espíritos de Inisherín passa-se no início do século XX. Portanto, também não existem telemóveis nem sequer internet, o que aumenta ainda mais o sentimento de isolamento daquela gente. Inisherín é um daqueles sítios com poucas centenas de pessoas, onde o tempo passa mais devagar e onde todos se conhecem. E Inisherín, a ilha, é uma das personagens mais importantes de Os Espíritos de Inisherín, filme sobre o qual muito se tem escrito, mas pouco ou nada se tem falado de como capta na perfeição essa condição insular. Faltava um filme assim, para falar disso, da mesma forma que É na Terra Não é na Lua fazia, mas sem ser documentário.

É em Inisherín que vivem Pádraic (Colin Farrell) e Colm (Brendan Gleeson), os dois melhores amigos que passam o dia juntos, de tal forma que parecem a sombra um do outro. O primeiro é um homem simples e feliz, enquanto que o segundo é um homem das artes, que gosta de música e de tocar violino. Todos os dias, depois do trabalho com as suas ovelhas e uma burra anã (que terá também um papel importante no filme enquanto personagem secundária, não da mesma forma do que a ilha), Pádraic passa pela casa de Colm e seguem juntos para o bar da aldeia, onde ficam até tarde a beber cerveja preta. Depois seguem para casa, dormem e no dia seguinte repete tudo de novo. Até ao dia que não.

Os Espíritos de Inisherín começa precisamente nesse dia. Pádraic chega a casa de Colm e esse ignora-o. Depois, quando se cruzam no bar mais tarde, Colm volta a ingora-lo. Zangaram-se?, perguntam os amigos ao verem aquilo, tão espantados quanto Pádraic. Acho que não, responde-lhes. Até que chega a explicação: Colm já não quer ser seu amigo. Como assim? Isso é possível, alguém levantar-se de manhã e, sem razão aparente, decidir que já não gosta de alguém? Aparentemente sim. E pode ser difícil de o aceitar.

Parece uma premissa sem importância, mas aí está a beleza das grandes histórias. É a partir da simplicidade que se revelam os grandes feitos da Humanidade. E Os Espíritos de Inisherín pode não ser um exemplo maior das Belas Artes (é um belo filme, siga-se já, mas nem sequer é particularmente uma obra-prima do cinema), mas é uma óptima história, com um argumento extremamente bem escrito, que vai servir para falar (e reflectir) sobre coisas tão importantes quanto a amizade, a morte e o esquecimento. E lembram-se de vos ter dito que, de quando em vez, ouvimos falar, lá ao longe, dos conflitos entre católicos e protestantes que marca(ra)m a Irlanda? Os Espíritos de Inisherín é também um filme sobre o absurdo dos conflitos, quer seja uma discussão doméstica, quer seja uma guerra entre nações.

Como referi acima, o genius loci (o espírito do lugar, de acordo com uma ideia algo mística dos romanos) da ilha é fundamental na forma como aquelas pessoas se expressam e como aqueles conflitos se desenrolam, mas é nas personagens e nos diálogos que Os Espíritos de Inisherín se constrói. E, para isso, além de Colin Farrell e Brendan Gleeson há mais dois actores que são importantíssimos. O primeiro é Barry Keoghan, o pateta da ilha, mas que se calhar não é tão bobo assim, e que serve para mencionar as coisas difíceis que se passam em Inisherín sem terem que falar nelas; e a segunda é Kerry Condon, que é quem faz a ponte com o continente e, consequentemente, com o futuro e o progresso. Afinal de contas, este também é um flme sobre a dicotomia passado e futuro, tradição e modernidade, o ontem e o amanhã.

Curiosamente, o calcanhar de Os Espíritos de Inisherín acaba por ser o realizador Martin McDonagh. É que o inglês parece perder-se de amores pela ilha e filma tudo em modo registo de férias, com aquele olhar embasbacado de enquadrar tudo com planos de corte bonitinhos, de pores-do-sol de cores instagramáveis, animaizinhos e outras coisas fofas. Até apetece dizer que Martin McDonagh não percebeu o filme que tinha em mãos, o que não deixa de ser esquisito tendo em conta que… foi ele próprio que o escreveu. E é precisamente isso que não deixa Os Espíritos de Inisherin receber um menu maior do que o Le Big Mac.

Título: The Banshees of Inisherín
Realizador: Martin McDonagh
Ano: 2022

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