| CRÍTICAS | EO

Onze em cada dez textos sobre EO vão referir Peregrinação Exemplar. Afinal de contas, é inevitável a comparação, até porque o realizador Jerzy Skolimowski confessou logo a inspiração pelo filme de Robert Bresson. No entanto, ainda não chegou ninguém para declarar o óbvio. Logo, eu faço-o: este é o ano do busto. Não, não tem nada a ver com os anos chineses. É que, além de EO, também temos Os Espíritos de Inisherin, filme em que uma burra anã é uma importante personagem secundária, onde só lhe faltou o reconhecimento a Academia, com uma nomeação ao Oscar.

Em EO, o burro é mesmo o protagonista. É ele que, depois de retirado do circo onde vivia – e onde tinha um número, juntamente com a tratadora Sandra Drzymalska -, vai embarcar numa série de aventuras, onde acaba por ser invariavelmente mal tratado pelo homem, seja por maldade, seja por desprezo. E cada episódio revela muito da natureza humana, funcionando como espelho alegórico. Começando logo pelo princípio de tudo, quando é levado para um santuário com os restantes cavalos resgatados, mas mantido como animal de carga, já que não era bonito e atlético. Já diziam os outros que todos os animais são iguais, mas há uns mais iguais que outros… E há ainda o episódio em que vai encontrar involuntariamente esse exemplo maior da barbárie humana que é o futebol e acaba espancado por hooligans.

EO é uma espécie de falso filmes de animais, que recusa linearmente a antropormofização da Disney. No entanto, isso não impede Jerzy Skolimowski de colocar o burro a dialogar connosco. Fa-lo na forma como filma os seus olhos, o campo contra-campo e em grandes planos de grande proximidade. Mas também é verdade que o filme tem algo de fábula Disney, especialmente quando o burro escapa a primeira vez e atravessa uma floresta cheia de perigos, potenciados pela escuridão da noite e por um vasto bestiário que observa à distância: lobos, corujas, raposas… É a melhor cena do filme e lembra a sequência das crianças em fuga de A Sombra do Caçador.

EO não é propriamente um filme convencional na sua forma narrativa, mas é precisamente essa abordagem fora da caixa que o tornam numa proposta cativante. Mas não se pense que é tudo cor-de-rosa, arco-íris e algodão doce. Além de terminar com uma cena claramente dispensável, que nem sequer Isabelle Huppert consegue salvar, EO abusa dos efeitos esquisitos e de gosto duvidoso, meio artsy fartsy, para ilustrar o estado de espírito do burro. E, ultraje!, cai na tentação de nos dar alguns planos subjectivos da visão do animal. E, mesmo assim, safa-se com um McChicken no final. Por isso, agora pensem.

Título: EO
Realizador: Jerzy Skolimowski
b 2022

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *