| CRÍTICAS | Black Panther – Wakanda Para Sempre

Por todo o seu contexto, Black Panther era um filme especial, não só no universo Marvel, mas em todo o cinema ocidental.A pesar dos seus heróis existirem na mesma realidade do que as outras personagens desse vasto universo cinematográfico (e Martin Freeman é a ponte que estabelece a conexão entre uns e outros), Black Panther existe individual e isoladamente. E isso porque é o primeiro filme de um herói negro, imaginando um país africano pleno – Wakanda -, que se desenvolveu fora da esfera de influência do colonialismo e dos valores eurocentricos. É um filme que, com um grande orçamento e a visibilidade que um blockbuster mastodôntico de Hollywood permite, cria um afrofuturismo e cumpre o sonho por vir de toda uma comunidade.

Depois de Black Panther, a sequela era mais do que inevitável. Mas eis então a realidade a voltar a intrometer-se. Inesperadamente, Wakanda Para Sempre ganha toda uma nova relevância extra-fílmica, porque Chadwick Boseman, o actor que encarnava o Black Panther, morreu. Havia muitas formas de lidar com isso, a maioria delas erradas, e o realizador Ryan Coogler não só a desenvolve logo no prólogo do filme, como a faz com grande respeito. Recusando CGI ou mesmo qualquer tipo de recast, Wakanda Para Sempre começa com o rei T’Challa muito doente e a falecer no hospital. A cena é dramática porque projecta a realidade na ficção. Logo a seguir há o finesa e depois o genérico, em jeito de memorial.

O reino de Wakanda está então órfão do seu campeão, mas nem por isso menos exposto ou fragilidade. O mundo continua a cobiçar o vibranium, a rainha Ramonda (Angela Bassett) dá-lhes a sua enésima nega de cooperação internacional e a solução passa por tentarem encontrar outras reservas desse material precioso (e poderoso), que pode estar no fundo do oceano. O problema é que esses são os domínios de uma outra civilização milenar, também desalinhada com a ordem mundial e o legado colonial eurocentrico, que tem vivido longe dos radares humanos desde que os espanhóis chegaram à América. Os Talokans, cujo líder é Namor (Tenoch Huerta) – uma visão do Aquaman com asinhas nos tornozelos – são os Maias que fugiram para o fundo do oceano quando os espanhóis começaram a matar toda a gente e prosperaram graças ao vibranium.

Os Tulacan queriam permanecer anónimos e, para isso, querem eliminar a cientista que inventou a máquina que encontra vibranium(!), a adolescente Riri (Dominique Thorne). Responsabilizam Wakanda por terem revelado o vibranium ao mundo e, por isso, querem que eles o façam. Obviamente, os wakandianos são demasiado nobres para aceitar tal coisa (as noções de cidadania só são suspensas naquele país no que diz respeito à cooperação internacional(!)) e está entornado o caldo. Wakanda para Sempre é um filme sobre relações internacionais, em que os dois estados que deveriam ser aliados naturais guerreiam entre si, enquanto os colonizadores assistem. Como diria Alanis Morissette, irónico.

Wakanda para Sempre ganha ainda mais relevância tendo em conta que assistimos actualmente, mesmo aqui ao nosso lado, a outros dois países em guerra. E o filme mostra-nos como a corrida às armas leva a um escalar da guerra e da agressão. Se ninguém se comportar como o adulto na sala, é fácil a coisa chegar ao ponto do não retorno. Em Wakanda Para Sempre é a princesa Shuri (Letitia Wright) que vai assumir esse papel de adulto, já que é ela o futuro do país, enquanto nova rainha e nova Black Panther. Mas não sem uma grande cena de guerra final, com toda a habitual masturbação CGI, mechabots (agora todos os filmes da Marvel têm que ter fatos à Homem-de-Ferro?) e muito slo-mo. Mas que raio de obsessão é essa de Ryan Coogler pela câmera lenta? A coisa ganha mesmo contornos de presunção, com tanta cena a metade da velocidade.

Complementariamente a sito hjá, claro, toda a questão do trauma e da perda, queC Coogler trata com patas de urso numa loja de porcelana. Wakanda para Sempre continuar a ser, na essência, um filme de super-heróis da Marvel e não perder uma oportunidade para repisar os clichés do género (e para o realizador inserir a martelo mais uma cena em câmera lenta). É certo que aqui já não há a novidade do afrofuturismo de Wakanda, como havia no filme anterior (e até a banda-sonora é mais desinspirada, sem Kendrick Lamar), mas ainda há uma interessante cena no reino subaquático de Tulacan, ao som de Foudeqush. O problema é que, por cada momento desses, há dois dos outros, que estragam tudo. Prova capital: a cena em que os wakandianos vão resgatar Dominique Thorne e o filme torna-se na sequela não oficial de Velocidade Furiosa. O Cheeseburguer final tem tudo para piorar mais na próxima sequela se não se puser um travão nisto enquanto é tempo.

Título: Black Panther – Wakanda Forever
Realizador: Ryan Coogler
Ano: 2022

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