| CRÍTICAS | Nostalgia

Nostalgia é o acto de idealizar o passado, transformando os maus momentos dessa lembrança em bons momentos e os muito bons em ainda melhores. É precisamente isso que sente Felice (Pierfrancesco Favino) em relação a Nápoles, a sua cidade Natal, de onde fugiu quando ainda nem tinha 18 anos e onde agora regressa pela primeira vez em 40 anos.

Nápoles é uma cidade muito especial, que vive numa espécie de existência muito própria dentro da própria realidade italiana. Quem já a visitou sabe do que falo. Por isso, quando um filme se passa em Nápoles, mesmo que não queira a cidade vai tornar-se ela própria numa personagem importante. Mario Martone, enquanto napolitano de gema, sabe isso melhor que a gente e, por isso, não só o tenta esconder, como o assume por completo. Já no filme anterior, O Rei do Riso, era assim.

Assim, a Nápoles de Nostalgia não tem nada de filme turístico e dos postais de férias que se podem tirar à cidade. Aliás, em todo o filme não existe um único plano em que apareça algo relacionado com Maradona, o que não é fácil. E, no entanto, Nostalgia seria muito bem diferente se fosse filmado noutro sítio. Até porque Nostalgia é também uma história que está directamente relacionada com uma certa ideia de amizade e honra que ressoam aos códigos da máfia napolitana. É que Felice, quando fugiu do país para a Líbia e depois o Egipto, foi na sequência de uma morte, provocada pelo seu melhor amigo, Oreste (Tommaso Ragno). E agora, ao regressar, com Oreste a controlar a parte mais obscura da vida das ruas de Nápoles, esse passado vai ressoar no presente de forma diferente, à luz desses códigos tácitos.

Há algo de thriller em Nostalgia, mas como o próprio título indica, este é antes um filme sobre o passado e como as memórias influenciam as nossas vidas, os nossos actos e as nossas decisões. É que Felice, ao regressar a Nápoles para ver a mãe uma última vez, até podia nem estar a planear ficar, mas a forma como o passado e a cidade se manifestam no seu presente, acaba por determinar o futuro. E é esse sentimento o melhor de um filme que, de forma simples e sem dar sequer espaço para os lugares-comuns do filme de género se manifestarem, constrói um McChicken muito interessante. Pode não ser o melhor filme de Martone, mas é um dos melhores filmes sobre Nápoles, mesmo sem ser um filme sobre Nápoles.

Título: Nostalgia
Realizador: Mario Martone
Ano: 2022

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