| CRÍTICAS | Ninotchka

Garbo ri
Foi assim, com esta meio macabra frase promocional, que Ninotchka foi apresentado ao grande público. Nove anos após Anna Christie, o primeiro filme sonoro de Greta Garbo que foi devidamente publicitado com a frase Garbo falaNinotchka tinha como trunfo pôr a ex-estrela do cinema mudo a mostrar os dentes, num filme assinado por Ernst Lubitsch, o mestre das comédia do período áureo de Hollywood.

Em Ninotchka, Garbo é uma agente soviética que é mandatada para Paris, para resolver um imbróglio que envolve a tentativa de venda das jóias da grã-duquesa russa a um merchant francês. Como os seus três camaradas indicados inicialmente para o negócio não estão a conseguir levar o assunto a bom porto, devido à intervenção de Melvyn Douglas a mando da própria grã-duquesa, o regime soviético destaca a sua melhor agente para a tarefa.

Ninotchka é uma espécie de comédia de costumes, que aposta no choque de culturas entre o ocidente capitalista (a acção passa-se em Paris, mas emula claramente o modo de vida norte-americano; aliás, todas as personagens falam inglês, claro) e a austeridade comunista da USRR. E é aqui que Greta Garbo brilha, na pela da espartana agente Nina Ivanovna Ninotchka Yakushova, criando aqui o molde do estereótipo russo, sério, metódico, concentrado e sóbrio, que seria copiado por Schwarzenneger em Inferno Vermelho e, claro, por Dolph Lundgren, em Rocky IV.

Neste choque cultural, o capitalismo vai levar a melhor sobre o comunismo, numa espécie de propaganda subversiva por entre a comédia ligeira. O ponto de resiliência é a mítica cena em que Garbo ri pela primeira vez: depois de várias tentativas infrutíferas de tentar faze-la rir, Melvyn Douglas cai da cadeira e Garbo parte o coco. A partir daqui, o romance toma conta de Ninotchka, com uma química screwball muito típica das comédias deste período, que iriam ser cristalizadas por Billy Wilder, que também assina o argumento feito a três mãos. Há ainda a participação ocasional de Bela Lugosi, num simbólico papel de um oficial soviético de mau feitio, e o comic relief muito à Três Estarolas dos três russos Iranoff, Buljanoff e Kopalski (Sig Ruman, Felix Bressart e Alexander Granach).

Mas claro que há ainda o outro lado do espelho. Ou seja, a sátira política de Ninotchka, num período em que a Segunda Guerra Mundial estava quase a rebentar. Sem problemas em estereotipar a austeridade comunista, Ernst Lubitsch ensaia aqui um conflito rancoroso entre os bolcheviques e a antiga aristocracia russa e ainda atira achas para a fogueira, com um gag que envolve nazis em França. Um filme com uma aura de premonição, que tem assim vários motivos para se destacar de outras comédias do período clássico de Hollywood e valer o seu McBacon em peso. 

Título: Ninotchka
Realizador: Ernst Lubitsch
Ano: 1939

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *