| CRÍTICAS | Sisu

Existem muitas coisas que deixam os portugueses orgulhosos (especialmente são coisas que estão registadas no livro dos recordes do Guinness, como por exemplo a maior feijoada do mundo (lol)), mas há uma que se sobrepõe a todas as outras. E não, não é o Cristiano Ronaldo nem o José Mourinho. É termos uma palavra que não tem tradução em mais nenhuma língua. A saudade é um património só nosso, que só nós é que percebemos e sentimos. E ai que alguém diga que é a mesma coisa que o alemão sehnsucht.

E, no entanto, há em praticamente todas as línguas palavras equivalentes, que não têm tradução directa em mais nenhuma outra. O dinamarquês hygge tornou-se, nos últimos tempos, numa praga que conquistou aquele segmento de mercado que é o lifestyle (lol). Os suecos têm o conceito do fika, que para eles faz parte do ADN e, para nós, é ir ao café. E os japoneses têm um termo para todos aqueles livros que compramos e empilhamos, sem nunca os ler, criando conforto emocional: tsondoku. E agora temos mais uma que poderá entrar lentamente no nosso vocabulário. Sisu é uma palavra finlandesa, que significa uma determinação acima do normal para lidar com as adversidade.

É isso que tem Aatami (Jorma Tommila), o silencioso herói do filme homónimo de Jalmari Helander, seguindo aquela tradição que começou com O Ofício de Matar, de Melville, e que continua a repetir-se ad aeternum. O filme passa-se no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, na zona da Lapónia finlandesa, no exacto momento em que os nazis estão em retiradas, deixando atrás de si um rasto de destruição, violação, pilhagem e terra queimada. Aatami foi um soldado valente, daqueles cuja reputação os precede, mas que entretanto se reformou e que se limita a procurar ouro em terras remotas apenas acompanhado pelo cão e pelo cavalo, seguindo uma outra velha tradição, muito querida aos western spaghetti (já lá vamos). Tão valente que lhe deram o cognome de o imortal. É que parece que se recusava a morrer. É o tal sisu

Os caminhos de Aatami e de um batalhão nazi em fuga vão se cruzar. O primeiro ignora-os, mas os segundos ficam com ela fisgada no saco cheio de ouro que este carrega. Por isso, vão tentar mata-lo. Big mistake, está-se mesmo a ver. O que se segue é um banho de sangue, numa luta desigual entre um homem armado com uma picareta e um batalhão de nazis com metralhadoras e um tanque. Claramente, uma situação injusta para os nazis. O problema é que estes só o vão perceber tarde demais.

Jalmari Helander vai beber directamente ao western spaghetti (aí está a influência de que vos falei antes), com as grandes paisagens abertas, alguns elementos em comum (a figura do garimpeiro, os cavalos, as roupas…) e, claro, a violência over the top. Claro que estamos em 2023 e esta violência é exagerada até à estilização máxima, já que qualquer filme que procure reciclar os sub-géneros da exploitation acabam por passar inevitavelmente pelo filtro de Quentin Tarantino. Atenção: isto não é uma crítica negativa, apenas uma constatação.

Sisu é então um western finlandês, o que até nem é uma novidade para a gente, que vimos o Rodrigo Areias a ir fazer a cena de abertura de Estrada de Palha na mesma Lapónia. A diferença é que o fez na neve e Helander fa-lo no verão, aproximando a paisagem da aridez do México via Almeria. Por isso, Sisu pede por todos os poros por umas cantigas a la Ennio Morricone. O realizador recusa-o linearmente e opta antes por uma banda-sonora épica. Isso, cruzado com várias câmaras lentas, dão a Sisu um tom quase épico e uma aura algo mística, aproximando-o directamente de outro western spaghetti muito particular: Direito de Vingança, a cauboiada místico-paranormal de Klaus Kinski.

Sisu não vem, portanto, inventar a roda. É apenas um filme de acção derivativo, com a economia narrativa de um qualquer série b, onde um Rambo enfrenta sozinho um batalhão de maus nas mais variadas situações de desvantagem, acabando sempre por dar a volta. Não admira que o realizador Jalmari Helander refira A Fúria do Herói como a sua principal inspiração. Há também muito gore gratuito, numa escalada de violência que terminará ainda em modo girl power, deixando Russ Meyer orgulhoso. Sisu não acrescenta nada de novo, mas é garantia de um bom serão, num daqueles McChicken que não desilude nunca, especialmente naqueles casos em que só queremos algo familiar para nos reconfortar.

Título: Sisu
Realizador: Jalmari Helander
Ano: 2022

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