| CRÍTICAS | Os Marginais

Quando no final dos anos 60 a era do cinema clássico de Hollywood estava em declínio, um grupo de jovens realizadores visionários tomou o seu lugar, injectando o cinema norte-americano com novas doses de originalidade, frescura e inovação, ao mesmo tempo que consumiam LSD e erva – ou seja, desconstruiam tabus tanto no ecrã como fora dele. A imprensa apelidou-os de Movie Brats e o cinema nunca mais foi o mesmo. Um dos nomes que se destacava nesse grupo era o de Francis Ford Coppola.

Nos anos 80, um grupo de jovens actores desconhecidos juntou-se numa mão-cheia de filmes para “jovens adultos”, como lhes chamam na América; hoje em dia, todos eles alcançaram a notoriedade e o estrelato. Na altura, a imprensa apelidou-os de Brat Pack, num trocadilho com o Rat Pack de Frank Sinatra e companhia. Desse grupo de actores destacam-se nomes como o de Matt Dillon, Tom Cruise ou Diane Lane.

Em 1967, uma jovem chamada S.E. Hinton publicou o romance Os Marginais quando tinha apenas 16 anos, que se tornou num dos grandes best-sellers norte-americanos, especialmente junto do público jovem, que se identificava naquele retrato juvenil tão fiel ao lema demasiado depressa para viver. Inaugurava assim o subgénero de histórias de jovens adultos, que também chegaria rapidamente ao cinema. Nos anos 80, uma escola escreveu uma carta a Francis Ford Coppola, pedindo-lhe que adaptasse o romance ao cinema. O realizador comoveu-se, gostou do livro e assinou Os Marginais, o filme que lançou o Brat Pack e, apesar de arrasado pela crítica da altura, um dos grandes filmes de culto da actualidade.

Os Marginais conta a história de Ponyboy Curtis (C. Thomas Howell) e dos seus amigos Greasers, os habitantes dos subúrbios pobres da cidade com os seus blusões de cabedal, calças de ganga e muita brilhantina no cabelo (como em Brilhantina, mas em versão violenta, ou como em Amor Sem Barreiras, mas sem a música), em oposição aos meninos ricos da zona sul da cidade, os Socs, com as suas calças à peixe-peixe, os pólos de marca e os carros desportivos (os betinhos, portanto…). Quando Johnny (Ralph Macchio) acaba por matar um Soc numa rixa, os dois amigos têm de deixar a cidade, à medida que ambas as gangues entram em estado de sítio. As lutas de facas tornam-se inevitáveis e as mortes também…

Os Marginais é um drama juvenil, com todos os ingredientes de um clássico familiar: a moral, as classes sociais, o núcleo familiar (a família Curtis é o epicentro da estória), os códigos de honra e a amizade. Apesar do livro conter uma força brutal, enclausurada em pouco mais de 150 páginas, Coppola não conseguiu fazer a transposição para o cinema com a mesma mestria com que adaptou O Padrinho. O argumento é algo frágil em certos pontos e dá alguns saltos, especialmente na relação entre Ponyboy e os seus irmãos, Sodapop (Rob Lowe) e Darry (Patrick Swayze).

Contudo, Os Marginais é um filme que se insere facilmente na galeria dos clássicos e passaria anualmente na televisão norte-americana, ao lado de outros clássicos como O Feiticeiro de Oz e de E Tudo O Vento Levou, se não tivesse sido realizado por Francis Ford Coppola. Aliás, as semelhanças com este último são evidentes e não só pelas óbvias referências: pela sua faceta cremosa e tearjerker (sublinhada a traço grosso pela banda-sonora do pai Coppola, Carmine, que o filho teve vergonha de recusar – e basta ver como o filme pede com todas as forças por rock’n’roll naquela sequência de abertura genial, em que os greasers deambulam pela cidade ao som do Gloria, do tempo em que o Van Morrison estava nos Them e ainda não era chalupa) e, especialmente, pelas cores ao pôr-de-sol, onde o tratamento da luz é igual ao do filme de Victor Fleming.

O filme tem todos os condimentos para ser amado; o rol de estrelas no elenco, que na altura eram pouco mais do que miúdos e que agora propõem um curioso exercício: quem diria que o tímido Tom Cruise iria ser a super-estrela que é hoje, que o fenomenal Emilio Estevez iria ser apenas o outro filho de Martin Sheen e que a estrela Matt Dillon iria fazer tantos filmes falhados? Depois, há a presença fugaz, mas sempre importante de Tom Waits, e a theme song xaroposa de Stevie Wonder, mas que vai bem com o tratamento melodramático que o filme recebe no final.

E, claro, o filme tem os dois melhores nomes de personagens de sempre no cinema, a par de Sailor Ripley e Lula: Ponyboy e Sodapop Curtis. Justifica-se o McBacon, mas aconselho primeiro o livro de S. E. Hinton. Ou então o director’s cut de Coppola.

Título: The Outsiders
Realizador: Francis Ford Coppola
Ano: 1983

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