| CRÍTICAS | Ponto de Ebulição

Um dos grandes acontecimentos televisivos de 2022 não foi Os Anéis do Poder, o House of the Dragon ou o Sucession. Foi sim The Bear, uma série de pequenos episódios de pouco mais de 20 minutos sobre o mundo da restauração, filmados de forma tão intensa que nos dava cabo da ansiedade. No entanto, The Bear também existe em formato longo. Chama-se Ponto de Ebulição, é inglês em vez de norte-americano e, enquanto The Bear se passa num snack-bar de bairro, Ponto de Ebulição é ambientado num restaurante fino e rico, de alta cozinha.

Além disso, Ponto de Ebulição é todo ele filmado num só plano-sequência (algo que também não é estranho a The Bear). Esse gesto define o filme e tanto poderia ser o seu golpe de génio como a sua perdição. Felizmente, o realizador Philip Barantini tem o bom-senso (e o bom gosto) de o utilizar sempre em função do próprio filme, recusando virtuosismos desnecessários, que o poderiam transformar facilmente num gimmick, um mero truque de circo que se sobrepusesse ao próprio filme. Não é a primeira vez que alguém faz um filme com um só travelling (olá Sokurov, como estás?), mas Barantini utiliza-o como ferramenta para aumentar o stress, o desconforto e a pressão. No fundo, Alfred Hitchcock fez o mesmo em A Corda, mas com o suspense e o thriller.

Ponto de Ebulição começa então com o chef Stephen Graham a chegar ao seu restaurante para mais uma noite de trabalho. No entanto, uns telefonemas ainda no exterior mostram que há problemas de fora – uma separação, uma mudança prolongada e aparentemente difícil, um filho a quem falhou um compromisso importante… – que vão vir para o serviço também. Já todos vimos reality shows sobre culinária o suficiente pra sabermos o quão exigente é este mundo, em que a hierarquia e a rigidez se confundem muitas vezes com o autoritarismo arbitrário. Agora imaginem isso alimentado por vários problemas pessoais. É um incêndio a quem Philip Barantini atira gasolina para cima.

Stephen Graham, que mais parece um talhante do que um chef, é o protagonista de Ponto de Ebulição e, portanto, é sobre ele que a câmara se vai demorar mais vezes. Mas não só. Há também os empregados baldas, os clientes difíceis, um inspector da ASAE, o antigo sócio que vem jantar com uma importante crítica gastronómica e até uma cliente alérgica a frutos secos que come amendoim. O problema de Ponto de Ebulição é que nunca chega a ser verdadeiramente angustiante como está sempre a prometer ser. É a vantagem de The Bear, com os seus episódios curtos. E é só por isso que Ponto de Ebulição não passa do McChicken.

Título: Boiling Point
Realizador: Philip Barantini
Ano: 2021

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