| CRÍTICAS | Não Te Preocupes, Querida

Se há coisa que se parece ter perdido na Arquitectura contemporânea é uma certa capacidade de sonhar. Há muito que os arquitectos (e seus derivados) parecem ter deixado de almejar a perfeição através dessa arte industrial, que molda permanentemente as nossas vidas e o mundo. Se exceptuarmos coisas como as Palm Trees, no Dubai (que só não são 100 por cento inúteis, porque servem sempre de mau exemplo), há muito que não surgem propostas de utopias, como a Broadacre City de Frank Lloyd Wright ou a cidade-jardim do Ebenezer.

Por isso, sempre que é possível representar no cinema o modelo utópico da vivência em comunidade, a suburbia norte-americana continua a ser a escolha. A ideia da vida no campo, fora da cidade, com um pedaço de terra e uma cerca branca a delimitar o terreno, que marcou o período modernista americano do meio do século passado continua a ser o reflexo da cidade utópica, até mesmo em fábulas como Eduardo Mãos-de-Tesoura. Aliás, basta ver como a Feiticeira Escarlate, no primeiro episódio do seu trauma pessoal WandaVision, começou por imaginar para si e para os seus uma vivência num mundo desse tipo.

É precisamente num desses subúrbios pós-modernos saídos directamente dos anos 50 do século XX que se passa Não Te Preocupes, Querida. O Projecto Victory, que desenvolve em grande segredo materiais progressistas – seja lá o que isso for -, é uma espécie de complexo habitacional no meio do deserto, onde todos os seus habitantes vivem como se fossem os anos 50 (ou se estivessem num filme como o Longe do Paraíso, por exemplo). Todas as manhãs, os maridos saem de carro para irem para o trabalho, numa coreografia automóvel que Jacques Tati teria ensaiado com gosto, e as esposas ficam em casa, a limpar as janelas, a cozinhar o jantar e, depois, a passarem as tardes nas compras enquanto bebem cocktails.

Até que Alice (Florence Pugh) começa a fazer perguntas. Afinal de contas, a vida não pode ser só aquilo, passar os dias na piscina e no dolce far niente, à espera do regresso do marido para jantar e uma queda (não necessariamente por esta ordem). E mesmo que o marido seja o Harry Styles, isso começa a tornar-se suspeito. Afinal de contas, o que é o projecto Victory? Porque não podem sair do complexo? O que há para lá do deserto? Será que há algo mais para lá do deserto? E porque é que Chris Pine, o líder do projecto Victory, tem um ar tão sinistro? Será por ter sido baseado em Jordan B. Peterson?

Não Te Preocupes, Querida é uma distopia escondida atrás de uma fachada de normalidade, que a realizadora vai revelando aos poucos e poucos, ao mesmo tempo que Florence Pugh se vai envolvendo numa espiral de loucura e paranóia. Claro que há sempre alguma dúvida no ar: será que as suas suspeitas têm razão de ser ou tudo não passa de uma crise psicótica da sua cabeça? Obviamente que é a primeira opção, até porque sabemos que não devemos duvidar de Florence Pugh desde que a vimos em Midsommar – O Ritual e porque já todos vimos Donas de Casa Desesperadas para perceber que a vida nos subúrbios norte-americanos nunca é realmente o que parece.

A realizadora Olivia Wilde tenta ir gerindo essas expectativas como pode, mas nem sempre é fácil quando parece que está a trabalhar com signos repetidos, que já vimos em mil e uma distopias diferentes. E, no final, quando há a grande revelação, não conseguimos deixar de soltar um mero “meh” de desapontamento. Tanta coisa para isso?, pensamos nós. Não Te Preocupes, Querida é uma distopia que, pelas suas características, faz pensar inevitavelmente em Antebellum – A Escolhida e isso também não é propriamente uma coisa boa. O melhor deste McChicken é mesmo a reconstituição da suburbia norte-americana, com uma banda-sonora de época irrepreensível e em que tudo é bonito, perfeito e maravilhoso. Até que o deixa de ser.

Título: Don’t Worry Darling
Realizador: Olivia Wilde
Ano: 2022

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