A história é relativamente conhecida e é daquela matéria da qual é feita a história do cinema: quando estreou, no festival de Cannes, A Aventura de Michelangelo Antonioni foi duramente apupado. Consta que as pessoas gritavam corta! perante as longas cenas em que nada se passava. No entanto, rapidamente o filme seria “reavaliado” por um grupo de pessoas… mais atentas e A Aventura sairia mesmo do festival com o prémio do júri e uma segunda projecção onde terminaria ovacionado. Depois estreou em sala e foi um sucesso de bilheteira, passando a ser regularmente considerado como um dos melhores filmes de sempre.
E, no entanto, A Aventura é um filme extremamente simples. Um grupo de amigos vai dar um passeio de barco e, depois de pararem algumas horas numa minúscula ilha, Anna (Lea Massari) desaparece. Antonioni começava aqui a explorar e a reflectir sobre a ausência e o alheamento – A Aventura seria o primeiro título de uma trilogia não-oficial sobre o tema – e a estrutura do filme (uma mulher desaparece, os amigos vão à sua procura…) tornar-se-iam no molde para todos os filmes seguintes com mulheres desaparecidas. Além disso, à medida que o namorado (Gabriele Farzetti) e a melhor amiga (Monica Vitti) se envolviam num caso fogoso enquanto a procuravam pelas ilhas italianas, surgia uma nova variação do triângulo amoroso da nouvelle vague e de Godard.
Antonioni, que vinha também do neo-realismo italiano, abalava assim as estruturas do cinema, não só em Itália, mas na Europa e no mundo. Tematicamente, afastava-se das história e do retrato heróico do povo para mergulhar na psique do indivíduo. E, formalmente, A Aventura demorava-se nas suas cenas, em que “nada acontecia” e em que o exterior era uma projecção do interior conturbado das personagens, ao mesmo tempo que fazia um comentário político sobre a Itália de então.
Paradoxalmente, A Aventura – e, em geral, todo o trabalho seguinte de Antonioni, incluindo Profissão: Repórter -, não podia ser mais diferente do neo-realismo italiano e, em simultâneo, a evolução natural deste cinema. E hoje, apesar de um pouco datado por toda a repetição de que foi (e tem sido) alvo desde então, A Aventura continua a ser um belo filme, uma lição de cinema e um McBacon redondinho.
Título: L’Aventura
Realizador: Michelangelo Antonioni
Ano: 1960