| CRÍTICAS | RRR – Revolta, Rebelião, Revolução

Toda a gente como é o cinema de Bollywood: telenovelas de faca e alguidar, efeitos-especiais manhosos e números musicais em que centenas de figurantes desatam a dançar bem coreografados por dá cá aquela palha. E, no entanto, quantos de nós é que já vimos um filme indiano? Este é um daqueles preconceitos perpetuados durante anos a fio e que continuará por muitos mais, sendo difícil de quebrar. Por isso, RRR – Revolta, Rebelião, Revolução é uma excelente porta de entrada para Bollywood. É que, depois de o ver, vai perceber que o cinema indiano é mesmo isso: telenovelas de faca e alguidar, com efeitos-especiais… duvidosos e números musicais por dá cá aquela palha. Mas não é o que está a pensar.

É que RRR – Revolta, Rebelião, Revolução é um épico de proporções exacerbadas (só de duração são mais de 3 horas de filme) e, por isso, todos esses elementos são elevados ao cubo. Qualquer cena dramática é sempre mais dramática do que a anterior (nem que seja porque alguém vai ao pão e já não há carcaças…), com super-slow-motions em alta definição, secções de cordas a ir ao desespero e muita gritaria e lágrimas. Qualquer cena dramática é tipo a cena do helicóptero do Platoon – Os Bravos do Pelotão, mas muito, muito mais exagerada. E como aqui não existem as mesmas normas ocidentais, não há sequer pejo em evitar mortes gratuitas de criancinhas. O importante é forçar o tearjerker. E, por isso, há muitas crianças em perigo, incluindo serem alvejadas pelas costas. Em super-show-mo. E em alta definição.

Se as cenas dramáticas são assim, imaginem as sequências de acção. Em RRR – Revolta, Rebelião, Revolução tudo é bigger than life. Esperem até estes realizadores chegarem a Hollywood com carta branca e o cinema de acção vai sofrer uma revolução equivalente à do início deste século, quando John Who chegou aos Estados Unidos com o seu cinema de acção total. Aqui, as leis da física são recorrentemente quebradas para estarem ao serviço do factor uau. Michael Bay, que um dia colocou explosões no espaço porque era mais espectacular, percebe bem do que estamos a falar. Em RRR – Revolta, Rebelião, Revolução importa apenas o sentido de espectáculo, o que inclui homens a lutar contra (ou lado a lado com) feras selvagens, heróis solitários frente a frente a exércitos de milhares e acrobacias tão falsamente irrealistas que só podem ser verdade.

Basta ver a entrada de RRR – Revolta, Rebelião, Revolução para ficarmos logo convencidos. Radu (Ram Charan), um dos heróis do filme – e polícia no exército britânico, pré-independência indiana -, salta para o meio de uma multidão de civis revoltosos para prender um tipo específico que apedrejou o governador local. De repente, são milhares de pessoas a levar na boca de um homem só, armado apenas com um pau. Esqueçam 300, aqui a proporção é ainda mais baixa. RRR – Revolta, Rebelião, Revolução é antes o WWZ – Guerra Mundial, mas com pessoas em vez de zumbis, misturado com o Matrix e elevado à potência máxima do espectáculo.

Então e a música? No meio disto tudo há cenas musicais?, estão vocês a perguntar. Claro, afinal de contas isto é uma produção de Bollywood. E, por isso, de quando em vez irrompe toda a gente em cantorias coreografadas. E para estar de acordo com o tom do filme, todas as canções são temas épicos, como aqueles hinos de estádio, para serem entoados em uníssono por uma multidão em êxtase. Há uma cena incrível, em que o outro herói da contenda, Bheem (N.T. Rama Rao Jr.), é chicoteado em público, para o obrigarem a ajoelhar-se. E ele não só resiste, como canta ao mesmo tempo uma cantiga motivadora, que vai levar o povo a rebelar-se contra a ocupação britânica. Absolutamente memorável!

Quanto ao filme, RRR – Revolta, Rebelião, Revolução é um filme anti-colonialista, que dramatiza dois heróis indianos que lutaram pela independência do país e os coloca lado a lado, primeiro como rivais e, finalmente, como amigos, numa perspectiva de verdadeiros super-heróis. É a influência do império Marvel no cinema de acção internacional. Radu é então polícia do império britânico que procura minar e implodir o império por dentro, enquanto que Bheem tenta recuperar a irmã pequena que foi raptada pelo governador local. Os dois vão desenvolver uma forte amizade – e forte amizade confunde-se facilmente com tensão homo-erótica -, mas como não podem revelar as suas reais missões, vão acabar por chocar de frente e terão de se defrontar para não revelar os seus disfarces. Até que, no final, as mesas vão virar-se e ambos vão poder aliar-se, cumprir os seus desígnios e derrubar inclusive a ocupação britânica.

RRR – Revolta, Rebelião, Revolução apresenta toda uma nova noção de cinema total, que coloca o entretenimento nos píncaros e todos os elementos dramáticos e narrativos são meras ferramentas para atingir este objectivo. RRR – Revolta, Rebelião, Revolução é o filme indiano para quem não gosta de cinema de Bollywood (ou para quem acha que não gosta, já que nunca viu…). E quantos McRoyal Deluxes como este, assim bem feitos e com tudo no sítio, vemos nos blockbusters habituais?

Título: RRR (Rise Roar Revolt)
Realizador: S.S. Rajamouli
Ano: 2022

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