| CRÍTICAS | Ninguém Foi Tão Valente

Acima de tudo, Frank Sinatra é recordado como uma das grandes vozes da história da música. E depois disso, sem nenhuma ordem em particular, é recordado também pelo seu estilo imaculado, pelo seu estilo de vida boémio (especialmente à frente do “seu” rat pack), pela carreira de actor ou como entertainer da máfia italo-americana (ou isso era o Tony Bennett?). O que pouca gente se lembra é do Frank Sinatra realizador.

É natural que assim seja, tendo em conta que só assinou um filme. Chama-se Ninguém Foi Tão Valente e, além da realização, Sinatra também produziu e interpretou. E, coincidência ou não, é mesmo um dos melhores títulos da sua carreira cinematográfica.

Ninguém Foi Tão Valente é um war movie da II Grande Guerra, que é muito do seu tempo. Datado de 1965, surge numa altura em que os movimentos anti-Vietname ganhavam força, sendo por isso um filme anti-guerra. Isto quer dizer que, ao contrário de outros war movies anteriores sobre o mesmo conflito, os japoneses aqui são personagens de corpo inteiro, em vez de massas colectivas que representam apenas o inimigo.

O filme é ambientado então num pequeno ilhéu no Pacífico, que nem sequer tem nome, onde um batalhão japonês protege a soberania nacional, se bem que parece que já ninguém se lembra deles. Há muito que os mantimentos acabaram, obrigando-os a pescar e a plantar batatas para comer, e o rádio avariado mantém-nos duplamente isolados. São como o Onoda, o soldado japonês que viveu sozinho na selva durante anos, sem saber que a guerra já tinha terminado.

Até que um avião americano se despenha na ilha e, de repente, a guerra é transportada para a dimensão doméstica daquela ilha. O que se segue, mais do que uma guerra na verdadeira dimensão do termo, é um conjunto de táticas de guerrilha e muito jogo psicológico. Nenhum dos lados quer revelar fraqueza e, por isso, procuram projectar um poderio maior do que aquele que realmente possuem. Além disso, os líderes de ambas as partes – Clint Walker e Tatsuya Mihashi – têm também de gerir a desconfiança e a impaciência dos seus subalternos, que só querem partir para cima do inimigo sem considerar as consequências. Essa imprudência é personificada pelo jovem oficial Tommy Sands (curiosamente, genro de Frank Sinatra), enquanto que, do lado japonês, têm a seu cargo o comic relief, na figura de um soldado budista.

Clint Walker e Tatsuya Mihashi vão então desenvolver uma relação de honra e camaradagem, apesar de serem irmãos de armas, que vão levar até às últimas consequências. Até porque, como diz a coda que encerra o filme, nunca ninguém vence na guerra (era mesmo preciso escrever a conclusão?). Quanto a Frank Sinatra, o médico beberrão da campanha norte-americana, é uma espécie de Grilo Falante, que anda por lá a mediar as partes.

Ninguém Foi Tão Valente é assim um filme de grande coração, que não tem medo de carregar na tragédia humana (bodycount elevado, mortes dramáticas, um passado lacrimejaste na bagagem de ambos os protagonistas…) para atingir os seus objectivos. Sinatra não inventa na cadeira de realizador e ainda tira da cartola uma bela cena, em que tem de amputar a perna dum soldado com gangrena. Não tem a violência visual de um The Walking Dead, mas tem a sabedoria de quem sabe que o fora de campo e a sugestão podem ter ainda mais força. Ninguém Foi Tão Valente é um óptimo McBacon sobre a desumanização da guerra (mas não são todos os filmes de guerra anti-guerra?, li outro dia algures por aí).

Título: None But The Brave
Realizador: Frank Sinatra
Ano: 1965

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