| CRÍTICAS | Nem Respires

Se há coisa que o cinema de acção já nos provou mais do que ma vez é que, se há coisa a temer, são heróis cegos. Várias décadas do espadachim cego Zatoichi, o Demolidor da Marvel ou até mesmo o Rutger Hauer em Fúria Cega são a demonstração viva de que um tipo sem visão tem os outros sentidos demasiado apurados para querer meter-nos com eles. E se um herói cego é um tipo durão, imaginem um vilão cego!

Stephen Lang é então um ex-veterano que perdeu a vista pelo Iraque e que vive sozinho, na última casa habitada num daqueles bairros desertos e abandonados na falida Detroit, em cima de uma fortuna que recebeu do tribunal depois da filha ter sido mortalmente atropelada. Rocky (Jane Levy, que há de ser uma autêntica scream queen sem nunca gritar verdadeiramente), Alex (Dylan Minnette) e Money (Daniel Zovatto) são um trio de jovens assaltantes que vão arrombar a sua casa para um último golpe, antes de se mudarem para a Califórnia e começarem de novo. Só que, claro, isso vai-se revelar um grande erro.

Mas esperem lá! Se Stephen Lang é que vai ser a vítima desta história, como é que ele é o vilão? Esse é um dos truques para o sucesso de Nem Respires, o filme que, depois do remake de A Noite dos Mortos-Vivos, confirmou Fede Alvarez como um dos novos nomes do terror e do fantástico a ter em consideração. É que, apesar de serem ladrões, Alvarez dá-lhes espessura e contexto suficiente (pais abusivos, vida familiar fragmentada, situação económica frágil…) para que nos identifiquemos com eles e passemos a apoia-los. E, depois, há um twist lá para meio que, para quem ainda não estava seguro do que sentir, vira definitivamente o bico ao prego.

Outro dos trunfos de Nem Respires é que Fede Alvarez aborda-o como um creature movie. Stephen Lang pode ser um veterano cego, mas é tratado como um monstro do Um Lugar Silencioso. Os invasores têm de se mexer em silêncio absoluto para passarem despercebidos e ele anda para ali, com a cabeça no ar, a tentar ouvir qualquer coisa. Claro que depois há momentos ao lado, como o facto de ele conseguir cheirar à distância o chulé dos sapatos dos ladrões, que se haviam descalçado para fazerem menos barulho, mas que não os consegue sentir quando estão a poucos milímetros do seu nariz.

Nem Respires é um pequeno filme altamente eficaz, que navega por entre o filme de acção e o thriller, enchendo o saco aos poucos e poucos até se transformar num survivor movie, em que os jovens têm que tentar tudo o que têm ao alcance para sobreviver aquele maluco e ao seu cão (um rottweiler que também dá ao filme alguns momentos de Cujo – O Novo Símbolo do Terror, que farão Stephen King sentir-se orgulhoso). Apesar das limitações do argumento (uma casa, três heróis, um mau e um cão), Fede Alvarez consegue espremer ao máximo tudo o que tem ao seu dispor, além de meia-dúzia de truques de câmara que torna tudo suficientemente interessante. Com planos-sequência que corta de forma inteligente, o realizador flutua por entre as personagens ao longo das várias divisões, numa relação de tensões verticais e horizontais, que interagem com a arquitectura da casa como se esta fosse também uma personagem.

No final, fica a ideia que os últimos 20 minutos já poderiam ter sido desnecessários, mas nada que belisque um muito interessante filme de acção. E o final não muito feliz ainda deixa espaço para uma sequela. Provavelmente desnecessária, mas pronto, não há muito a fazer em relação a isso. Quando a Nem Respires, o McChicken é sólido e é para colocar lado a lado com Barbarian, essa outra variação imaginativa do home invasion movie.

Título: Don’t Breathe
Realizador: Fede Alvarez
Ano: 2016

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