| CRÍTICAS | Gran Turismo

Para quem não num gamer ou um racer a sério (gamer enquanto pessoa que gosta de jogos de vídeo e racer enquanto pessoa que gosta de desportos motorizados), um filme como Gran Turismo parece fazer tanto sentido quanto uma adaptação de… sei lá, o Pacman ou assim. Mas ei, existe o Pixels, por isso quem sou eu para falar? Seja como for, um filme sobre aquele que é considerado o mais realista dos simuladores de corridas de automóveis parecia ser tão pertinente quanto um buraco na testa. Mas depois vamos a ver e o filme afinal é baseado numa história verídica, sobre um miúdo que foi contratado pela Nissan para correr ne vida real depois de se ter destacado no jogo e, se calhar, até há aqui matéria para um filme.

Gran Turismo conta então a história de Jann Mardenborough (Archie Madekwe), um jovem que dedicava todos os minutos livres da sua vida a jogar Gran Turismo na sua PlayStation. O pai (Djimon Hounsou) queria que ele se dedicasse ao futebol, como o irmão, ou que estudasse para ter uma profissão a sério que não o obrigasse a ter que trabalhar numa fábrica qualquer de sol a sol a troco do ordenado mínimo, como ele próprio. Mas Jann tinha um plano em três passos. Passo 1: ser o melhor jogador de Gran Turismo do mundo; passo 2; passo 3: tornar-se piloto na vida real. É certo que faltava o passo 2 para esse plano ser perfeito, mas todos sabemos que se acreditarmos mesmo muito nos nossos sonhos que eles se concretizam. Mesmo quando os nossos pais não nos compreendem.

Surge então em cena Danny Moore (Orlando Bloom, mais canastrão que nunca), que propõe criar uma academia que vai treinar os melhores gamers de Gran Turismo em pilotos de verdade e lá vai Jann para um programa intensivo, que o vai levar para as estradas, até ao clímax final nas 24 horas de Le Mans, a mais icónica de todas as corridas automóveis. Para isso, Danny Moore vai recrutar Jack Salter (David Harbour) para engenheiro-chefe, um antigo e traumatizado piloto promissor, que entretanto caiu em descrédito, mas que vai encontrar naquele jovem o veículo perfeito para projectar os seus sonhos que ficaram pelo caminho por falta de coragem em ultrapassar os desafios que a vida lhe colocou à frente.

Gran Turismo é então o habitual drama desportivo sobre o underdog que, contra todas as previsões, vai subir a pulso até ao topo da montanha, tornando-se no melhor da modalidade – há até quem o tenha chamado o Rocky dos carros. Mas é um filme tão formulaico, que conseguimos antever todas as situações ainda antes sequer da meia-hora de filme. Já sabemos que todas as provações de Jann Mardenborough vão ser ultrapassadas no último segundo possível, com grande carga dramática; sabemos que os pais não o vão apoiar, até perceberem no final que ele tinha razão; e adivinhamos que, mais cedo ou mais tarde, um acidente feroz vai deixa-lo traumatizado e cheio de dúvidas em continuar. A única coisa que não conseguimos adivinhar é que o Kenny G vai ter um papel determinante nesta história de superação. Mas como vi o documentário Listening to Kenny G, já sei que agora é cool gostar do rei do saxofone suave e isso não me apanhou totalmente desprevenido.

Aliás, a música do Kenny G é uma excelente comparação para Gran Turismo. Tal como essa, não há nada de mal no filme de Neill Blomkamp: é técnica e virtuosamente impecável, não tem nada fora do sítio, super polidinho e brilhante. É tão perfeito que é quase asséptico, inodoro e sem gosto. Uma estopada sem qualquer rasgo de emoção ou tentativa de ser minimamente interessante. Gran Turismo está para os filmes de carros como a música de Kenny G está para o jazz.

E quanto às cenas nas pistas?, perguntam vocês. Afinal de contas, num filme como Gran Turismo é isso que realmente importa. E se, por um lado, Neill Blomkamp consegue importar para o filme os grafismos do próprio jogo, fazendo-o com graça e savoir-faire, por outro consegue esvaziar essas cenas de qualquer sensação de vertigem, emoção ou perigo, domesticando essas sequências que deveriam ser velozes e furiosas. Steve McQueen deve ter dado uma volta na campa. É que até As Corridas Loucas de Ricky Bobby, na sua paródia, consegue ser mais excitante. Portanto, há muito pouco para recomendar nesta Hamburga de Choco.

Título: Gran Turismo
Realizador: Neill Blomkamp
Ano: 2023

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