| CRÍTICAS | O Exorcista: Crente

O Exorcista é, simultaneamente, um dos mais assustadores filmes de sempre e um dos melhores filmes de terror da história do cinema, o que faz com que, desde a sua estreia no ido ano da graça do Senhor de 1973, muito boa gente tenha tentado capitalizar o seu sucesso. Houve duas sequelas manhosas, uma delas com a colaboração do criador William Peter Blatty e tudo, e mais recentemente várias tentativas de se fazer reboot ao franchise. Até houve uma série de televisão, que apesar de ser a melhor de todas as tentativas acabou subitamente cancelada ao fim de uma temporada. Por isso, 2023 marca o ano em que, finalmente, O Exorcista ganha oficialmente um novo recomeço.

O realizador David Gordon Green, que já fez o mesmo ao clássico dos slashers Halloween, é então o responsável por tentar dar uma nova vida ao filme que definiu todo o género dos filmes de possessão. E O Exorcista: Crente é uma sequela mais ou menos directa do de 1973. Quer dizer, não é que ignore as outras duas sequelas, mas não lhe liga directamente. Lá pelo meio há de aparecer então Ellen Burstyn novamente, a falar da sua experiência com a filha, Regan (spoiler alert: Linda Blair tem mesmo um cameo às tantas), e como esta se afastou depois da mãe andar pelos talk shows a publicitar um livro que escreveu sobre o caso. Era aí que estava o filme que toda a gente queria ver, mas que David Gordon Green reduziu a uma nota de rodapé, dando prioridade a outra coisa.

Essa “outra coisa” é então um novo filme de possessão, agora não com uma, mas com duas miúdas que acabam possuídas pelo mesmo demónio do filme de 73. A debutante Olivia O’Neill até é melhor actriz que Lidya Jewett, mas é esta que é a protagonista de O Exorcista: Crente, uma vez que ela até tem uma backstory que ajuda a dar algumas pistas para o resto do filme. É que a mãe, quando estava grávida, foi de férias para o Haiti, o berço do vudu, onde um tremor de terra a enviou para o hospital e colocou o pai perante uma escolha de Sofia: era preciso sacrificar uma para salvar a vida da outra e todos sabemos quem Leslie Odom Jr. acaba por escolher. As duas miúdas vão então um dia brincar com o paranormal, desaparecem por três dias e, quando reaparecem, estão possuídas pelo demo.

O sucesso de O Exorcista (e o que o tornavam verdadeiramente assustador) é que era um filme que tornava o normal em sinistro. Era certo que havia cabeças a rodar e manifestações paranormais, mas eram episódios que sucediam num cenário de normalidade, tornando tudo mais sinistro. Era algo que parecia poder acontecer a qualquer momento na vida de qualquer um de nós e era isso que tornava o filme verdadeiramente temível. Em O Exorcista: Crente, David Gordon Green aborda todo um manancial de truques dos filmes de terror para tentar assustar o espectador, não querendo correr riscos de não conseguir ter pelo menos um susto. Por isso, há em O Exorcista: Crente uma estratégia de acumulação que é completamente o oposto dessa abordagem naturalista do filme de William Friedkin: há vudu, há santinhos, há manifestações sobrenaturais, há jump scenes, há água que sai pestilenta da torneira só para criar ambiente e mais, muito mais coisas gratuitas como esta.

Além disso, há ainda uma estranha propaganda católica. É certo que os filmes de possessão sempre exploram os símbolos da igreja, já que essa espécie de profanação do sagrado é uma forma de transgressão e de criar medo. No entanto, em O Exorcista: Crente há uma surpreendente abordagem da igreja católica, mais perto do filme de super-heróis do que do filme religioso. No final, quando as famílias se juntam para tentar o exorcismo das filhas, há presente na sala um padre evangélico e uma mãe de santo. A igreja católica recusa-se a participar, mas às tantas o padre Maddox (E.J. Bonilla) irrompe pela sala adentro, munido de crucifixo e água benta e é a salvação que entra pela porta, faltando apenas as bandeiras ao vento e a banda-sonora triunfante. Esperem, a banda-sonora triunfante está lá. David Gordon Green andou a ver demasiados filmes da Marvel…

Diz a história (ou melhor, disse o crítico Ed Whitfield) que, quando William Friedkin soube que o realizador de Alta Pedrada ia fazer o reboot do seu filme, lhe disse que, quando morresse, iria possuir e assombrar para sempre a vida de David Gordon Green. Espero que mantenha a promessa. É que filme é um vergonhoso Hamburga de Choco. Acho que até O Exorcista do Vaticano tem mais graça.

Título: The Exorcist: Believer
Realizador: David Gordon Green
Ano: 2023

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