| CRÍTICAS | Suitable Flesh

Já vi filmes suficientes com pessoal desequilibrado da cabeça para os reconhecer à distância. Quando Asa Waite (Judah Lewis) entra de rompante, sem marcação prévia, no consultório da doutora Elizabeth Derby (Heather Graham) lembramo-nos logo de O Sexto Sentido e do tipo que invade a casa de Bruce Willis para lhe dar um tiro. Depois, quando ele muda de personalidade bruscamente, passando de um miúdo assustado e introvertido para um tipo altamente confiante e até inconveniente, lembramo-nos de Edward Norton em A Raíz do Medo.

Suitable Flesh começa assim e, a partir daqui, embarca num comboio-fantasma, que vai levar-nos directamente para territórios lovecraftianos. Afinal de contas, Suitable Flash adapta livremente um conto de HP Lovecraft. E, mais tarde, Elizabeth Derby há de ir à casa de um também perturbado Bruce Davison que está a ler o Necronomicon, enquanto que o hospital psiquiátrico da zona se chama… Miskatonic. Isso significa que Suitable Flesh faz parte do universo lovecraftiano de pleno direito. E como se isso não fosse bastante ainda há de surgir em cena Barbara Crampton, essa mesmo, a de O Soro Maléfico, de Stuart Gordon.

Suitable Flesh é um filme sobre demónios que possuem humanos para poderem viver para sempre, de forma boémia e desbochada, e que, para isso, necessitam de os enganar. E a melhor forma de o fazer é através da sedução. Afinal de contas, as criaturas malévolas têm sempre essa fascínio e essa luxúria, ou não fosse o Drácula o maior sedutor de todos. Pelo caminho, o realizador Joe Lynch ainda aproveita para brincar levemente com a sexualidade e as questões de género. É que, sendo este um demónio que tem saltado de corpo em corpo durante décadas, qual é o seu género? Homem ou mulher não interessa para nada, são apenas construções sociais, o importante é o prazer.

Suitable Flesh não disfarça o seu baixo orçamento, mas Joe Lynch diverte-se a contornar essas limitações, com toques que, por vezes funcionam em cheio e outras tantas falham redondamente. Há split screens, câmaras que rodopiam, brincadeiras com sombras e luzes recortadas e outros gestos que reconhecemos enquanto tributos a um passado cinematográfico de terror, que lhe fica bem. Suitable Flesh não é propriamente um grande filme, mas é um pastiche com algum savoir faire e com gosto por aquilo que é. E é impossível não admirar essa honestidade. Seja como for, não é a honestidade que mata a fome, nem tão pouco um único Cheeseburger.

Título: Suitable Flesh
Realizador: Joe Lynch
Ano: 2023

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