| CRÍTICAS | O Náufrago

Os mais novos não se lembram, mas houve um período em que o Tom Hanks mandava em Hollywood. Foi a partir mais ao menos de 1994, depois de Forrest Gump, que Hanks passou a estrelar em todos os filmes, a ser nomeado para todos os prémios e a ganhar todos os Oscares. Até que, em 2000, Robert Zemeckis – que havia sido precisamente o realizador de Forrest Gump – completou o círculo, ao fazer um filme em que só o tinha como actor e mais ninguém. O Náufrago é o one-man-show de Tom Hanks e há de ser sempre recordado como o filme em que ele ficou sozinho numa ilha com uma bola de vólei.

O Náufrago, que é simultaneamente o mais longo anúncio da FedEx (ainda que Zemeckis jure a pés juntos que nunca pagaram nada pela publicidade colocada), conta a história de Hanks/Chuck Noland (no… land, estão a ver o trocadilho), um analista da… FedEx, que viaja pelo mundo a resolver os problemas da empresa de entregas para que estas estejam sempre a horas. Até que numa travessia aérea do Pacífico, o avião de Tom Hanks despenha-se. É uma cena cheia de tensão, muito bem filmada, que mostra bem porque é que devemos ter o cinto apertado nos momentos de turbulência nos voos. Quando abre os olhos, Hanks está sozinho numa ilha deserta.

O Náufrago é assim uma versão moderna do Robinson Crusoé (como já era, por exemplo, A Lagoa Azul), com um homem sozinho a ter que sobreviver no meio da natureza selvagem. E até tem uma versão do Sexta-Feira, só que Wilson não tem nada de humano: é uma bola de voleibol com uma cara pintada com sangue, com quem Tom Hanks desenvolve uma relação de afecto. É também um dispositivo que permite ao filme não ser totalmente silencioso, ao mesmo tempo que ilustra a paranóia em que Hanks vai descendo. E funciona! A prova disso é que, quando a bola se perde em alto mar, Zemeckis abusa nos violinos e o tearjerker faz surgir uma lágrima no canto do olho. Sim, em O Náufrago fazemos o luto por uma bola de voleibol!

Só que O Náufrago, ao contrário do que se crê – é o seu efeito Mandela -, não é um survivor movie. E, por isso, Robert Zemeckis dá um salto de 4 anos e, quando oferece ao seu protagonista uma possibilidade de fuga da ilha, ainda faltam bem mais de meia-hora para o filme terminar. É que, em casa, Tom Hanks tem Helen Hunt à espera, até porque há um relógio de bolso que esta lhe oferece que o andam a ter forças para aguentar a privação. Mas… será mesmo que Helen Hunt está à espera?

O Náufrago é assim um filme sobre a ausência, sobre o luto e sobre o passar do tempo, muito mais do que um survival movie. Aliás, a obsessão da personagem de Tom Hanks com o tempo e a sua profissão na FedEx não são por acaso. E, por isso, quando regressa a terra firme, é como se O Náufrago recomeçasse novamente. É certo que já não há propriamente tempo para um drama psicológico como deve de ser. Por isso, Zemeckis saca da sua costela capriana (tal como o seu colega Steven Spielberg, a sua herança sempre foi a de Frank Capra e os seus filmes de bom coração) e termina tudo com um final feliz, sublinhando que as nossas vidas estão todas dependentes do acaso e de que, sempre que uma porta se fecha, duas outras se abrem. Pode não ter sido o primeiro a aperceber-se disso, mas O Náufrago disse-nos isso como poucos e, daí, este McRoyal Deluxe.

Título: Cast Away
Realizador: Robert Zemeckis
Ano: 2000

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