| CRÍTICAS | Águas Passadas

Se há coisa que Jennifer Connelly tem, em Águas Passadas, e que temos que aplaudir, é paciência. Se fosse eu que me mudasse para uma casa nova e a lavandaria não funcionasse, houvesse uma fuga de água num quarto que alastrava todos os dias como se quisesse devorar o apartamento, miúdos ocupassem o andar de cima e fizessem barulho toda a noite e, mesmo assim, o senhorio continuasse a assobiar para o lado, passava-me por completo. Ou, pelo menos, fazia as malas e saía no dia anterior, exigindo a minha caução de volta. Mas Jennifer Connelly não. Ela é muito paciente com o senhorio, John C. Reilly, que lhe diz constantemente para falar com o faz-tudo do prédio; é muito compreensiva quando Pete Postlethwaite insiste em dizer que não é a função dele; e continua a colocar pacientemente panelas para amparar a ´sua que cai incessantemente do tecto, mesmo quando este leva um novo remendo de gesso.

A água é precisamente a grande protagonista de Águas Passadas. Não só está no título, como em todas as cenas do filme. Há sempre uma inundação à espreita (ou porque as loiças da casa de banho entopem, ou porque há uma fuga num cano…) e está sempre a chover. Roosevelt Island, a parte de Manhattan para onde Jennifer Connelly e a filha se mudam depois de um divórcio pouco amigável, é filmada como um daqueles subúrbios brutalizas de leste: sempre em cores ocres e castanhas, sempre de chuva, sempre escuro, sempre aborrecido… E depois lemos no Google que Rooselvelt Island é uma atracção turística na cidade por causa da sua arquitectura e sorrimos.

Jennifer Connelly e a filha (Ariel Gade) mudam-se então para um apartamento meio merdoso, mas que é aquele que consegue pagar. E, pela primeira vez no cinema de terror, a casa assombrada não é uma mansão senhorial de 10 assoalhadas, mas sim um t1 num prédio mal frequentado. Há a tal mancha de humidade que vai alastrando e pingando regularmente como se tivesse vida e personalidade jurídica, há o elevador que tem vida própria e, depois, há a filha que começa a falar com uma amiga invisível (Natasha, que ainda por cima tem o mesmo nome da miúda do andar de cima que desapareceu…) e o trauma recalcado de Jennifer Connelly com a mãe alcóolica que reaparece ao de cima.

Há mesmo muita coisa a acontecer em Águas Passadas. E há ainda a personagem do advogado (Tim Roth), que há de surgir e ter um inesperado peso no filme, mesmo que isso não acrescente nada à história. Seguimos mais do que uma vez Roth a mentir e a esconder que tem uma vida solitária e nunca se percebe a razão. Será que era um subplot que ficou no chão da sala de edição? Não importa. O que interessa é que Águas Passadas vai ganhando a forma de thriller psicológico, à medida que Connelly vai descendo numa espiral de paranóia loucura.

Só que essa é uma descida muito controlada, já que Águas Passadas parece sempre ser um filme de terror para toda a família, com cuidado para não nos assustar muito. Walter Salles, que se estreava aqui no seu primeiro filme em inglês ao refazer um filme japonês de Hideo Nakata (esse mesmo, o tipo de Ring – A Maldição), tenta manter tudo muito profissional, criando um ambiente claustrofóbico, mas o máximo que consegue é levantar-nos ainda mais questões. No final, tudo serve de metáfora pouco subtil para o abandono parental e crítica velada aos pais que se divorciam e deixam os filhos abandonados (literal e figurativamente) nesse processo.

No final, a coisa resolve-se forma mais ou menos previsível, sendo que o mais perturbador são mesmo as semelhanças involuntárias com o caso do Hotel Cecil. Ou será que não é por acaso? Ta na na *Música sinistra* Agora pensem. Enquanto terminam o vosso Happy Meal, já que daqui não levam mais do que isso.

Título: Dark Water
Realizador: Walter Salles
Ano: 205

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