| CRÍTICAS | Som da Liberdade

Inesperadamente, houve um filme que marcou o versão de 2023 e não necessariamente por motivos cinematográficos. Depois de 5 anos num limbo em que não conseguia encontrar distribuição em sala, Som da Liberdade estreou finalmente nos cinemas e foi rapidamente apropriado pela extrema direitas e pelos fanáticos católicos. O filme tornou-se porta-voz dos maluquinhos do QAnon, que acreditam que há uma elite de satânicos a dominar o mundo que comem (literalmente) criancinhas ao pequeno-almoço e se os críticos o detestaram era porque estão a ser pagos para isso. Obviamente que isso são fait-divers que não influenciam o valor do filme, mas quando realizador Alejandro Monteverde e o protagonista, Jim Caviezel, embargam neste frenesim, não há como o ignorar.

Som da Liberdade é baseado na história real de Tim Ballard (Jim Caviezel)m um agente do FBI especializado em apanhar pedófilos, que se cansou das burocracias, despediu-se e foi para a Colômbia resgatar crianças radicadas. É certo que há uma miúda hondurenha que é a sua grande missão e o verdadeiro leitmotif do filme, mas o espírito de missão de Ballard é tão grande e abre que ofusca tudo o resto. Tim Ballard sacrifica-se pela vida daquelas pessoas e nem o seu Jesus Cristo, no beato A Paixão de Cristo, era tão… sacrificial.

Tanto o Tim Ballard real quanto o próprio Caviezel têm proferido sempre o nome da esposa, Katherine, como a grande heroína desta história. Afinal, também ela se sacrificou pelo bem-estar do outro, ficando sozinha em casa a cuidar da família, enquanto o marido andava pela selva colombiana a salvar criancinhas. E no meio de tudo isto não se esquecia e dar constantemente apoio moral ao marido, como a boa esposa que é. Katherine é interpretada por Mira Sorvino, mas mesmo assim só aparece em duas cenas em todo o filme. Também ela é consumida pela figura omnipresente de Ballard, qual buraco negro que tudo suga e à volta de quem roda toda a história.

Esse tom celebratório, entre o épico e o glorioso, é ainda sublinhado a traço grosso por uma banda-sonora cheia de pianos e violinos e por bandeiras americanas desfraldadas ao vento sempre que possível. É isto a verdadeira história de Som da Liberdade e não o argumento esquemático que nos apresenta. É uma história mais idealizada do que contada, em que tudo acontece de forma muito fácil, mesmo que envolva missões secretas na América do Sul, cartéis de droga poderosos e seitas internacionais super-secretas.

Por isso, até o filme de acção que nos promete é apenas uma ilusão. Tim Ballard não precisa de se esforçar porque a sua abnegação é a chave para todo o sucesso e para montar o próprio filme. A Rolling Stone escreveu que Som da Liberdade é um filme de super-heróis para pessoas sem cérebro. Eu, como não tenho essa eloquência, digo apenas que é uma confrangedora Hamburga de Choco.

Título: Sound of Freedom
Realizador: Alejandro Monteverde
Ano: 2023

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