| CRÍTICAS | Pobres Criaturas

E, de repente, um grego que faz filmes esquisitos tornou-se no novo ai Jesus de Hollywood. Esquece, Christopher Nolan, já foste! Depois da consagração dos Oscares, com A Favorita, Yorgos Lanthimos tinha carta branca para fazer o que bem entendesse. E eis que nos entrega Pobres Criaturas, uma extravaganza que condensa alguns dos temas da sua obra anterior, mas que, ao mesmo tempo, é algo completamente diferente.

De facto, enquanto que os seus filmes passados são minimalistas e um pouco tétricos, Pobres Criaturas é excessivo e tematicamente mais convencional (pelo menos na forma). Contudo, reconhecemos alguns elementos comuns ao seu corpo de obra, começando logo pela temática central do filme. Pobres Criaturas é a história de uma jovem reclusa que vê o mundo (e as suas infinitas possibilidades) abrirem-se à sua frente, tal como Canino, o título que nos revelou o grego. E depois há o absurdo, um humor sequíssimo e o surrealismo (que, em A Favorita, era mais anacronismo).

A grande novidade – e conquista – de Pobres Criaturas é que Lanthimos cria aqui o seu próprio mundo. Apesar de estarmos na época vitoriana, é uma realidade alternativa, meio gótica, meio steampunk. Basta ver a sequência em Lisboa, toda construída em estúdio. Há pastéis de nata e a Carminho a cantar fado, mas depois as ruas estreitas de Alfama distorcem-se em altura e o azul do céu ganha uma gravidade quase onírica. É como se Lanthimos utilizasse o filtro de Tim Burton, aquele qe ele aprimorou dos expressionistas alemães, mas depois o deixasse cair e escangalhasse.

É neste mundo muito próprio que God (Willem Dafoe todo retalhado e disforme, como a versão estraga de Bobby Peru), um cientista doido que intervém no corpo humano, faz a sua experiência mais ousada: coloca o cérebro de uma criança no corpo de uma mulher adulta (Emma Stone) e observa os efeitos. Dafoe, que todo ele é uma experiência de David Cronenberg (poderia muito bem ter saído do seu último Crimes do Futuro), é um doutor Frankenstein cruzado de doutor Moreau, enquanto que Emma Stone é o seu monstro, que parte em viagem com o boémio Mark Ruffalo para descobrir o mundo e para se descobrir a si mesmo.

Mais do que a Nell a descobrir o mundo dos homens, Pobres Criaturas é uma odisseia por Portugal, Grécia (num momento poderoso, que faz uma rima muda com os campos de refugiados que continuam a engordar nas ilhas gregas) e França, mas é também uma viagem interior, inclusive pela sexualidade. Aliás, Pobres Criaturas combina muito bem com a primeira parte de Ninfomaníaca. E por falar em Lars Von Trier, aqueles cenas com os intratítulos, a separar os capítulos do filme, não foram roubadas do Anticristo?

Como todas as obras excessivas, Pobres Criaturas tenta ir a todas as coisas, em todo o lado, ao mesmo tempo. E, como é óbvio, nem sempre o faz de forma acertada. Tem momentos muito bons, é um regalo à vista, mas nem sempre consegue passar a sua mensagem para lá do kitsch ou do redundante. E que raio é aquela insistência com as lentes deformadas e os olhos-de-peixe? Mas algo que não podemos negar é que há poucas coisas por aí como Pobres Criaturas. Não é nem de perto nem de longe o melhor Lanthimos, mas é um McBacon que fica bem na sua filmografia.

Título: Poor Things
Realizador: Yorgos Lanthimos
Ano: 2023

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